1919, ano do nascimento de Sophia
Natal de 1919 na Quinta do Campo Alegre, no ano de nascimento de Sophia, um dos bebés da foto
@ Sophia de Mello Breyner Andresen de Isabel Nery
Conspirações, atentados, tiroteios nas ruas e cenas de pugilato na Assembleia faziam parte do quotidiano dos portugueses em 1919, ano do nascimento de Sophia.
Desse ambiente de guerra civil dá conta o avô Tomás, que registava a sua revolta e discordância pela situação do país nos cadernos pessoais. Um deles tem a capa gravada com o título Agenda Memorial-Diário -1919. Aí escreveu, riscou e rabiscou com caneta preta de tinta permanente logo no início do ano, a 11 de janeiro: «A noite foi agitada. Muita tropa nas ruas. As patrulhas de vez em quando disparam.» Logo no mês seguinte,a 22 de fevereiro anota a vermelho, no canto da página, «motins graves».
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Sophia nasce num país que fugia e morria. Em 1919, Portugal atinge um pico de 69 mil emigrantes e faz o luto de quase outros tantos habitantes (60 mil) levados pela pneumónica. No ano de batismo da poeta perdiam-se milhares de vitimas de doenças infectocontagiosas como o tifo, sintoma de miséria: 2282 mortes contabilizadas só nesses doze meses.
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Mas não há escombros, ameaças nem guerra eminente que possam impedir certas urgências da natureza. Tal como a morte, o nascimento não se adia, nem se atrapalha com momentos históricos mais ou menos atribulados. Simplesmente acontece. E a Sophia aconteceu-lhe às 11 horas e 20 minutos do dia 6 de novembro de 1919, em casa dos pais, na Rua António Cardoso, n.o 170, no Porto.
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À hora a que Sophia nasceu, o avô Tomás viajava no comboio de Lisboa para o Porto e o pai preparava-se para erguer perante a matilha dos seus cães de caça a primeira filha. Sem mais delongas, e apesar do frio agreste de um novembro no Norte do país, João Henrique Andresen entendeu urgente levar a recém-nascida ao alpendre para a apresentar ao universo. Talvez um momento premonitório da relação quase mística que a poeta viria a acalentar com a natureza, uma constante na sua obra e um traço marcante da sua personalidade.
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Rendido ao amor pela mais nova Mello Breyner - «Estive muito tempo com a rica neta ao colo. Querida e que amor ela é! Que ternura me faz!»
in Sophia de Mello Breyner Andresen de Isabel Nery