A aventura épica de Sigurd Slembe, apesar de não me ter impressionado, tocou-me.
Um anti-herói, que de tão imperfeito na sua essência é perfeito na sua condição, perdido, mas sempre achado nas suas deambulações geográficas e espirituais, determinado a reclamar as suas raízes, arrancadas por um segredo.
Um verdadeiro drama hamletiano que o seu tradutor, William Morton Payne, não se cansa de elogiar:
[Em] "Sigurd Slembe" ele encontrou um tema inteiramente merecedor do seu génio, e produziu uma das mais nobres obras-primas da literatura moderna.
Aliás, Sigurd Slembe na sua solidão humana é o símbolo de todo o povo norueguês:
[E]sta suprema hora de paz de espírito que tem procurado durante tantos anos surge-lhe quando menos o espera, e todas as tempestades da vida se acalmam. [A] reconciliação que a hora da morte traz aos homens, cujas vidas foram marcadas por uma entoação trágica.
Excertos de William Morton Payne-Björnstjerne Björnson, 1832-1910
O que será que têm em comum os seguintes escritores? Christian Matthias Theodor Mommsen; Bjørnstjerne Martinus Bjørnson; Giosuè Carducci; Rudolf Christoph Eucken; Gerhart Johann Robert Hauptmann; Jacinto Benavente; Grazia Deledda; Erik Axel Karlfeldt; Pearl Buck; Saint-John Perse; Giorgos Seferis; Eugenio Montale; Vicente Aleixandre; Derek Walcott; Odysseus Elytis; Elfriede Jelinek; Herta Müller. Ganharam todos o Prémio Nobel.
E o que unirá estes outros escritores? Leo Tolstoy; Fernando Pessoa; Jorge Luís Borges; Thomas Mann; Marguerite Duras; James Joyce; Iris Murdoch; Salman Rushdie; Ian McEwan; Jorge Amado; Rafael Alberti; Mario Vargas Llosa; Andrè Malraux; Marcel Proust; Ezra Pound; Vladimir Nabokov; August Strindberg; Henrik Ibsen; Émile Zola; Mark Twain; Anton Chekhov; Eugène Ionesco. Nenhum deles conseguiu ganhar o Prémio Nobel.
Não seria altura de olharmos com menos veneração para um Prémio que frequentemente tem passado ao lado de grandes escritores e preferido autores que os ventos da história já varreram da memória?
Bjørnstjerne Bjørnson continua a despertar a minha curiosidade pela literatura escandinava sobre a qual conheço muito pouco.
Escrever em plena luta pela independência do seu país tornou-o literariamente nacionalista, tornando-se num dos quatro grandes escritores que celebraram a cultura nacional norueguesa.
Aliás, Henrik Ibsen, Bjørnstjerne Bjørnson, Alexander Kielland e Jonas Lie são o quarteto dos grandes fiordes que exaltaram o passado do seu país, os seus antepassados, os seus mitos, as suas montanhas e o mar.
Fica prometido para mais tarde um ciclo de leitura do quarteto fantástico norueguês.
A maior parte das vezes leio só por ler, para ter sensações que me liguem ao sujeito poético.
Também posso ler consoante o humor, tal qual sucede em relação à música, com a diferença que a poesia bate mais forte – a música é uma «droga leve».
Assim, se estou zangado, leio Maiakóvski; se estou cansado, Pessoa; se estou boémio, Rimbaud; se estou esperançoso, Whitman; se estou mordaz, O'Neill; se estou perdido, todos.
Nos dias de chuva descubro-me muitas vezes a ler o Livro de Cesário Verde e nas noites de trovoada navego no paquete de António Nobre, cheiiiinho de medo que vá ao fundo!
Quando quero divertir-me, leio os epigramas do Bocage.
Quando acordo a meio da noite (ou da manhã lol), costumo ter à mão Os Lusíadas, um dos meus livros de cabeceira.
Estou a ler uma tradução de 1888 de Sigurd Slembe e o que mais me agrada nestas edições mais antigas são as notas pessoais dos tradutores sobre a obra e/ou o escritor que estão a traduzir.
Nesta edição em particular, William Morton Payne, para além de tradutor, um crítico literário de renome, extravasa no prefácio a sua paixão pela literatura escandinava, caracterizando a trilogia de Sigurd Slembe:
(...) by the greatest breadth of treatment, by the most masterly delineation of character, and by the highest poetic truth.
Sigurd Slembe é a aventura épica de um herói indomável na sua determinação que busca as suas raízes, reclamando para si tudo aquilo que não lhe foi revelado na infância.
Um herói trágico na sua essência e derrotado no seu passado, presente e futuro.
Mas não serão as melhores histórias aquelas que narram as derrotas e os derrotados?
Bjørnstjerne Bjørnson está a transformar-me numa ávida leitora de paisagens literárias norueguesas. Poeta por instinto, não recua perante o realismo das suas palavras, deixando que a poesia se volatilize por entre cada curva, cada traço de escrita que o seu punho cinzela.
Jarger confessa que Bjørnson tem este condão, concedido a poucos, de dizer muito em poucas palavras. E quando tão pouco é assim tanto, há que reverenciar o homem e a sua obra.
Imagem cashewnuts.blogg.no
Ele próprio confessou outrora:
But just because I had first lived and then written, the account got style and color (...), made me all the more certain that the hour had come (...). I would be a poet.
O que mais me tem agradado neste meu ciclo de leitura é que num dia posso estar a ler poesia, num outro história e no dia seguinte drama. Se esta variedade não me for imposta externamente, ainda que por mim própria, leria sempre os mesmos géneros literários.
Prosseguindo a minha demanda pela leitura de autores galardoados com o Prémio Nobel, comecei a ler este escritor norueguês que foi galardoado em 1903. É um facto que não entrei pela grandiosa porta principal das obras de Bjørnstjerne Bjørnson que abrange, particularmente, a sua poesia, mas optei por entrar pela sua faceta mais historicista onde enaltece a democracia vanguardista que a Noruega implementou desde cedo, bem como a persistência dos noruegueses em manterem a sua individualidade perante a Dinamarca e a Suécia.
When the laws are not common, the colors [of the flag] should not be blended.
Tenho que confessar que quem me fez ler Philip Roth - quis o acaso que fosse este o livro escolhido - foi a Maria do Rosário Pedreira no seu blog Horas Extraordinárias onde confessa:
Para mim, Roth é um dos eternos candidatos ao Nobel da Literatura que, se calhar, morrerá sem o ter.
Muitos podem acusar Roth de ser pornográfico o que considero ser uma descrição demasiado linear e um insulto à qualidade do texto deste escritor. Acho-o de uma sensualidade humana e criadora, que choca exactamente pela sua normalidade.
Neste livro aborda a velhice sob a perspectiva do amor e do desejo. Mordaz, sarcástico e de uma franqueza absurda, quase ultrajante, com um humor amargo que nos toma de assalto e nos despe socialmente.
O título vem do poema de William Butler Yeats:
Death
Nor dread nor hope attend A dying animal; A man awaits his end Dreading and hoping all; Many times he died, Many times rose again. A great man in his pride Confronting murderous men Casts derision upon Supersession of breath; He knows death to the bone Man has created death.
O livro centra-se num dos dois alter-egos de Roth, David Kepesh que decide viver uma virilidade emancipada, sem família e sem esposa. Ao longo dos anos foi refinando esta sua filosofia de vida que subitamente se fragmenta numa enlouquecedora possessividade sexual por uma mulher que o transporta aos extremos da obsessão e do ciúme.
“A pior coisa que vos pode acontecer é tornarem-se frequentadores de bibliotecas”, disse há muitos anos um professor excelente que tive na licenciatura. Lembro-me de ouvir risos e de me rir com a provocação, longe de imaginar que me tornaria precisamente numa “frequentadora de bibliotecas” – em bom rigor, de uma biblioteca em particular.
Sou uma pessoa feliz quando me sento numa cadeira com o forro meio rasgado – já se organizava um crowdfunding para restaurar as cadeiras desta biblioteca – e aí dedico umas horas do meu dia a procurar livros que me interessam, a ler e a escrever. Mas percebo as razões que levaram o professor a desincentivar a frequência da biblioteca. Queria dizer aos alunos de vinte e poucos anos que tinham de viver “fora dos livros” para os perceber, para não reproduzirem palavras de outros, ideias de outros, sobretudo quando não as compreendiam. Sei que a associação entre a passagem do tempo e a capacidade de compreender o que lemos não está garantida e que nem sempre o leitor mais velho é o melhor leitor.
Philip Roth está a ser uma viagem alucinante pela solidão humana, pela intimidade que nos transforma e nos transtorna, pela animalidade sorrateira e predadora que habita em cada um de nós.
A TV está a fazer o que faz melhor: o triunfo da banalização sobre a tragédia.
A mais ténue lucidez acerca da miséria tornada normal pela nossa era sedada pela grandiosa estimulação da maior das ilusões.
O humor é rebelde, com uma perspicácia sem precedentes, que coloca os pontos nos is na verdadeira natureza do ser humano, sem o desculpar ou infantilizar.
Vou querer ler muito mais deste escritor, mas só para o ano, que estou outra vez de castigo na biblioteca por ter entregue os livros com um mês de atraso.
Deixar que alguém entre na nossa biblioteca e nos diga como ler e o que ler é, segundo Woolf, destruir «o espírito de liberdade que se respira nesses santuários». E afirma também: «Toda a literatura, quando envelhece, tem a sua pilha de desperdícios.» E de que maneira! Frases sábias de uma das escritoras mais interessantes de sempre. Eu, mesmo fazendo a vénia, gosto que me falem de livros que não li e de autores que não conheço, ainda que também descarte muitas leituras de obras que alguém me apregoa mas que, sei lá porquê, não me seduzem. Cada um que decida o que for melhor para si. Os leitores, em suma, devem ser livres de escolher.
Não gosto do acordo ortográfico, não percebo a sua relevância, mas essa ignorância e essa sensibilidade jamais me levariam a deixar de ler literatura ou qualquer jornal e revista.
A boa literatura supera a língua em que foi escrita, o tempo e a sociedade em que foi escrita, é mais interessante do que o próprio autor que a escreveu.
Elena Ferrante está a fascinar-me com a sua escrita concisa e fluida.
Sempre que viro uma página, pergunto-me como consegue esta mulher dizer tanto, escrevendo tão poucas palavras.
Capaz de descrever o que de mais íntimo, reservado, ambíguo e explosivo existe no acto de viver*.
As personagens têm pele, choro nas veias, silêncios no tacto e gritos nos olhos. Chegam a ser mais reais que os seres humanos que habitam a não ficção.
As frases rasgam as páginas, atirando-nos aos olhos cada pedacinho deste puzzle que é a vida.
Ainda na página 53 d'Um Estranho Amor e só consigo pensar em descobrir mais peças, coleccioná-las sofregamente, guardá-las de olhares esquivos e encaixá-las no meu próprio ser.
O que me fez retirar este livro da estante da biblioteca foi o título.
Apesar de desconhecer o seu autor, acreditei que iria voar por locais distantes e inóspitos. Com sorte e uma pitada de humor à mistura, leria aventuras caricatas e outras tantas que me fizessem reflectir sobre esse acto tão solitário que é viajar.
Mas não.
O que eu encontrei foram excertos de textos de outros escritores, um palavrear incessante sem conteúdo, como peças perdidas de diferentes puzzles que não encaixam por não pertencerem ali. Da arte de viajar pouco aprendi.
Li algures que este livro "analisa o lado psicológico que envolve o acto de viajar: como imaginamos lugares antes de viajar, como nos lembramos das coisas boas, o que acontece quando observamos um deserto, ou ficamos em um hotel." Não poderia discordar mais.
À excepção de um pequeno texto sobre Van Gogh que achei interessante, por ter sido um artista que, de facto, transpôs as suas impressões de viajante para os seus quadros, e outro sobre Humboldt e as suas viagens épicas de descoberta, nada me atraiu neste livro.
Beethoven queixa-se da sua surdez, Byron da perna mais curta, Rousseau das dores na bexiga, Camões da falta que lhe faz o olho perdido, Borges da falta que lhe fazem os dois olhos, Cervantes queixa-se do braço decepado, Dostoiévski queixa-se de estar morto.
Nesta minha senda de leituras dos galardoados com o Prémio Nobel, comecei por investigar o primeiro prémio atribuído em 1901 a Sully Prudhomme.
Sempre que pesquiso por algum escritor, encontro sempre obras dele traduzidas em inglês, mas neste caso não.
Pesquisei, procurei e nada.
Visto que é um poeta e filósofo francês, tudo o que escreveu fê-lo na sua língua materna e assim se manteve até aos dias de hoje. Aliás, encontrei um ebook traduzido em inglês, mas os comentários a essa edição não eram os mais abonatórios. Na Wook há uma lista extensa, com indicação de que são edições em língua inglesa, mas cujos títulos estão em francês. Uma incongruência.
Portanto, o Prémio Nobel de 1901 basicamente ficou esquecido entre as brumas da memória da tradução para nunca mais de lá sair.
All who loved human poetry, the poetry of sweetness and light, took Sully Prudhomme to their heart of hearts.
www.goodreads.com
Imagem en.wikipedia.org
A poesia como meio de cura de um coração partido é centenária. Prudhomme fê-lo e fê-lo tão bem que recebeu o 'reconhecimento [pel]a sua composição poética, que dá provas de idealismo elevado, perfeição artística e uma combinação rara das qualidades do coração e do intelecto'.
Recebeu o Prémio Nobel em detrimento de Leo Tolstoy o que causou algum descontentamento nas hostes literárias que consideravam a sua poesia competente mas sem inspiração. Aliás, Tolstoy é um dos doze escritores que se achava merecedor do Nobel, mas que nunca o recebeu.
Prudhomme escreveu não só poemas épicos, como também crítica literária, raciocínios científicos e pensamentos filosóficos.
Encontrei um poema, traduzido em inglês, as únicas palavras que lerei deste poeta filósofo:
A secretária de Haruki Murakami, um dos meus escritores favoritos.
Haruki Murakami has given his fans a sneak peek at his desk – and home-based office – on his website, accompanying the visual tour with descriptions of his deliciously quirky objects.
Alain de Botton um conhecido filósofo pop que aplica a filosofia à vida quotidiana (só esta descrição já me provoca diarreia mental) escreveu uma série de livros sobre nada. Exactamente o que acabaram de ler. NADA.
Hoje em dia tudo é possível. Inclusivé tornarmo-nos em pseudo-filósofos-escritores de sucesso. Para isso basta coleccionar palavras cheias de ar, encaixá-las como legos, num jogo infantil inconsequente, e rabiscá-las em papel branco. Sim, porque da arte da escrita nada vi naquelas páginas.
Pelos vistos este senhor tem uma série de livros escritos, uma mistura de auto-ajuda com pseudo-filosofia e não deixa de ser impressionante esta quantidade de tentativas de ridicularização de tudo e de todos, especialmente dos seus leitores.
Neste momento, estou a ler A Arte de Viajar. Tenho reservado a leitura deste livro para a casa de banho, o único lugar digno para uma obra como esta.
Ainda não acabei de ler o livro, visto que as minhas necessidades fisiológicas abrandaram o seu ritmo perante tamanha profundidade filosófica.
Como leitora ávida que sou gosto de ler tudo. O bom e o mau.
Tal como na justiça, dou o benefício da dúvida a um livro ou a um escritor considerados maus. Para os considerar culpados de mediocridade preciso de factos. Por isso, leio-os com plena consciência dessa possibilidade, imputando-lhes a sentença no primeiro capítulo ou na última página.
Mais vontade tenho de lê-los quando a mediocridade literária é adorada por milhares de pessoas. Preciso de compreender esse fascínio.
Tentar perceber se é porque a mediocridade encontra a mediocridade numa união de almas ou se a mediocridade se instalou pelo contágio das palavras impressas.
Preciso de saber o que fascina o mundo para conseguir lidar com ele.