À medida que a câmara se aproxima começamos a destrinçar com nitidez todos os pontos que achávamos ser outra coisa diferente daquilo que são na realidade.
E do geral passamos a ver o particular.
Quanto mais perto ficamos, mais horrendos são os detalhes.
Podemos dizer que o Bem e o Mal são a face da mesma moeda e que ambos precisam de coexistir para manter o frágil equilíbrio da vida.
Mas um desequilíbrio, por mais ínfimo ou impreciso que seja, pode abalar, ou até mesmo ruir a delicada estrutura da natureza humana.
O ser humano sentiu desde sempre uma atracção inexplicável pelo Mal, sempre atraente, fácil, melífluo, ao contrário do Bem, feio, difícil, desagradável e severo.
Saber que existe algures uma felicidade perfeita e calma ao alcance de tudo e de todos é mais necessário que a ventura individual. A razão de ser de qualquer vida humana consiste em saber que a todo o momento se pode cair extático diante do Infinito e do Imenso.
Não, a estrada valia mais que tudo isso, uma simples estrada que se podia tomar e seguir sem pensar em nada, tanto quanto é possível não pensar em nada. Uma estrada real é qualquer coisa de muito longo: não se lhe vê o fim, tal como à vida humana ou à humana esperança. A estrada implica uma ideia.
Quando comecei a ler Os Demónios assustei-me com o título. Para além disso, a edição que me acompanhou para todo o lado tinha capa vermelho vivo com o título impresso a letras douradas. Senti-me a carregar a bíblia do diabo.
Mas aquietem-se as mentes mais supersticiosas que este livro nada tem de sobrenatural. De sobrenatural apenas a genialidade de quem o escreveu, como eu não me canso de repetir.
Nas primeiras páginas, tudo e todos parecem inofensivos. Os acontecimentos sucedem-se a um ritmo alucinante, envoltos numa neblina gótica, qual tragédia grega, que de loucura em loucura, encaminha tudo e todos para um clímax demoníaco.
É tudo tão absurdo, mas ao mesmo tempo tão penosamente real, que queremos rir, porque tudo aquilo nos diverte. Um riso trágico deveras, que o mundo pesa-nos por ser assim, pouco ou nada havendo a fazer.
Sob a batuta de uma escrita muito mais fluida do que aquela que adornou as páginas de Crime e Castigo, não conseguimos parar de o ler e queremos sempre mais.
Um reflexo da crença de Dostoiévski, que achava que os revolucionários possuíam a alma da Rússia e que, caso não fossem exorcizados por uma fé renovada no Cristianismo Ortodoxo e por um nacionalismo puro, eles iriam conduzir o seu país para o precipício. Tornou-se um clássico da literatura russa pelo seu estudo inflamado sobre a maldade humana.
O entusiasmo da geração nova é tão puro e límpido como o da minha época. Só existe uma diferença: é que se produziu depois uma deslocação de propósitos; a uma beleza substituiu-se outra! Todo o problema consiste em averiguar o que é mais belo: Shakespeare ou um par de botas, Rafael ou o petróleo?
Oh, jamais a estupidez recebeu tão solene recompensa, se bem que a haja merecido muitas vezes... porque, entre parenthéses, a estupidez é tão útil à humanidade como o maior génio!...
Meu caro amigo, a verdade autêntica é sempre inverosímil. Não sabia disto? Para que a verdade seja mais verosímil é preciso juntar-lhe certa dose de mentira. Os homens sempre procederam assim.
Em 1860, a facção radical da intelligentsia russa tentou implantar a ideologia mais conhecida por "niilismo" no fervor revolucionário geral, causado pela recente abolição do servilismo.
O niilismo (do latim nihil, que significa "nada") estava mais preocupado com a destruição das formas e tradições sociais, do que com o estabelecimento de algo positivo.
Os Demónios é um ataque ao niilismo, com caricaturas precisas dos revolucionários contemporâneos e constitui uma tentativa de criar o grande romance antiniilista.
A mais importante inovação de Dostoiévski neste romance antiniilista é o dispositivo estrutural de duas personagens principais. Estes dois, Pyotr Verkhovensky e Nikolai Stavrogin, encarnam os dois lados da ira política de Dostoiévski, o seu ódio pela esquerda russa revolucionária e a violenta desconfiança pela aristocracia russa.
Essa palavrinha «porquê» está espalhada em todo o universo desde a criação do Mundo. Não há quem não grite a todo o momento: «porquê»?, interpelando o Criador. E há sete mil anos que espera resposta.
Nunca vira criatura tão sombria, tão melancólica. Parecia esperar continuamente o fim do Mundo, e não no prazo distanciado de que falavam as profecias; estas talvez nunca se realizem, mas dir-se-ia que fixara a catástrofe para as 11 e 25 do dia seguinte.
A maior parte dos livros que leio são de bibliotecas.
Gosto de lhes percorrer as avenidas, olhar para todas aquelas lombadas, ver as folhas amarelecidas pelo tempo e imaginar todos os olhos e mãos que as percorreram.
Passa uma vida, outra recomeça, que por seu turno acaba, principia uma terceira, e assim por diante. Cortam-se os fios da existência, como quem corta com uma tesoura.