Pela tríade que tenho lido mais persistentemente - Pushkin, Gogol, Dostoiévski - foi este último quem me conquistou.
Aprende-se muito sobre a vida, sobre as pessoas e sobre o mundo com Dostoiévski.
Ele observa o ser humano como quem observa uma obra de arte num museu, perscurtando-lhe os detalhes, as imperfeições e a beleza.
E para nos embrenharmos nele, sugiro:
1-Noites Brancas: para quem quer aventurar-se pelos subterrâneos de Dostoiévski, deveria começar pela luz que este livro irradia.
2-Crime e Castigo: a culpa, essa grande personagem da escrita dostoievskiana, entranhando-se nos seus pensamentos, nos seus sonhos e em cada fibra do seu ser.
3-Os Demónios: em que tudo é tão absurdo, mas ao mesmo tempo tão penosamente real, que queremos rir, porque tudo aquilo nos diverte. Mas um riso trágico deveras, que o mundo pesa-nos por ser assim.
4-Cadernos do Subterrâneo: por cada página, um fragmento, 189 ao todo. Cada um deles uma reflexão ou especulação sobre o tudo e o nada.
Na realidade, todos se encontravam em presença de um fenómeno singular: nada sucedera e, no entanto, tudo se passava como se alguma coisa de importante tivesse acontecido.
A si creio que nada o espanta, príncipe - acrescentou, olhando com ar céptico o rosto plácido do seu interlocutor. -Dir-se-ia que não se espantar com nada é a característica de um grande espírito: na minha opinião, também se poderia ver nisso a marca de uma profunda estupidez...
Perguntem, perguntem-lhes apenas como todos, sem excepção, compreendem a felicidade?
Ah! Acreditem que não foi quando descobriu a América, mas quando estava para descobri-la que Colombo se sentiu feliz. Persuadam-se de que o momento culminante da sua felicidade talvez se situe três dias antes da descoberta do Novo Mundo, quando a tripulação desesperada se revoltou e esteve prestes a dar meia volta para regressar à Europa.
Já não se tratava do Novo Mundo, que poderia desmoronar-se. Colombo morreu logo que o viu e sem saber, no fundo, o que tinha descoberto.
O que conta é a vida, a vida apenas, é a procura ininterrupta, eterna da vida, e não a sua descoberta!
Anna Grigorievna foi o grande amor da vida de Dostoiévski. Foi a única mulher que compreendeu o seu processo criativo, que aceitou os seus demónios e a sua doença.
Com 45 anos, tendo fracassado no casamento e sendo repudiado pelas mulheres que sucessivamente amara, apaixona-se pela sua estenógrafa, Anna Grigorievna, estudante de 28 anos, e esta corresponde-lhe!
Introdução de Jorge Sampaio n'O Idiota de Fiódor Dostoiévski
E não julguem que me vencem com a vossa prosperidade, as vossas riquezas, com a raridade das catástrofes e a rapidez dos meios de comunicação!
As riquezas são mais abundantes, mas as forças declinam; já não há pensamento que crie um laço entre os homens, tudo se embotou, tudo se arruinou e todos estão arruinados!
Pelo que me toca, acrescentarei que a realidade, embora submetida a leis imutáveis, é quase sempre incrível e inverosímil. Por vezes até, quanto mais real um acontecimento, menos verosímil é.
«É muito estranho! Sim, muito estranho!», proferiu ao fim de um minuto, com tristeza; nos momentos de alegria intensa, sentia-se sempre dominado pela tristeza, sem que soubesse porquê.
Durante mais quinze anos, segundo ele próprio diz, fabricará mais cópias do que escreverá romances, ofegante de um prazo a outro, vivendo de adiantamentos mendigados, por vezes de esmolas, não tendo nunca tempo para amadurecer uma obra.
Nunca o pôde fazer:
Todos os instantes da minha vida estão impregnados da premência de dinheiro, e pedem-me obras de arte! Venham então ver em que condições trabalho!
E acrescenta:
Sou um proletário da literatura.
Um proletário russo que se embriaga de humilhações, vingando-se depois com gestos loucos!
Introdução de Jorge Sampaio n'O Idiota de Fiódor Dostoiévski