Porque andarei eu tão fascinada pela literatura russa?
O que tem ela que me vicia, que me mergulha nesta obsessão?
Creio que é pelo seu acutilante realismo e profundo humanismo unidos neste paradoxo, que subsiste num equilíbrio dantesco, entre opressores e oprimidos.
O cavaleiro e a dama pareceram-me à primeira vista pessoas decentes, mas reduzidos pela miséria àquele estado de degradação em que a desordem se impõe a ponto de já não se reagir contra ela, de se acabar por aceitá-la e, até, não somente por já não poder dispensá-la, mas também por descobrir no seu aumento diário não sei que amargo prazer de desforra.
Deplora-se continuamente, entre nós, a falta de pessoas práticas, diz-se que há, por exemplo, superabundância de homens políticos, que há também muitos generais, que, se houver necessidade de gerentes de empresas, qualquer que seja o número exigido, encontram-se imediatamente de toda a espécie, mas pessoas práticas não se descobrem.
Celebra o poeta mas sobretudo a Rússia, os Russos, a sua religião, a sua missão no mundo, o socialismo cristão que a pode renovar.
Depois dele, os outros oradores renunciam ao uso da palavra. A multidão ovaciona-o, as mulheres em lágrimas oferecem-lhe flores, os estudantes levam-no em triunfo chamando-lhe «profeta»!
Regressa a Petersburgo transfigurado: a Rússia compreendeu-o, encarregou-o de encontrar a palavra que fará a felicidade da humanidade e que pushkine levara para o túmulo!
Introdução de Jorge Sampaio n'O Idiota de Fiódor Dostoiévski