Foi numa tarde de Dezembro. A noite estava prestes a cair, os forçados regressavam do trabalho e preparavam-se para a chamada.
Um sargento de grandes bigodes abriu-me finalmente a porta daquela estranha morada, onde eu devia passar tantos anos e suportar tantas emoções que seria incapaz de as compreender se as não tivesse experimentado.
Por exemplo, nunca seria capaz de conceber o tormento medonho de não poder estar só, ainda que apenas por um minuto, durante os dez anos que durou a minha prisão.
Quer no trabalho, debaixo de escolta, quer na prisão, quer no meio dos meus duzentos camaradas, nem uma vez - nem uma vez - estive só!
E, contudo, como isso me era necessário!
Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos
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Priosoneiros de um campo de trabalhos forçados na Sibéria
Efectivamente, como é que seres arrancados à sociedade e a uma existência normal, sob todos os aspectos talhados para viver e desejosos de viver, seriam capazes de se comportar normal e naturalmente, com boa vontade e bom humor?
Na prisão, os trabalhos forçados não reabilitam o criminoso; castigam-no ingenuamente e protegem a sociedade dos atentados que ele poderia ainda cometer. Na prisão, os trabalhos mais penosos só desenvolvem no criminoso o ódio, a sede dos prazeres proibidos, uma indiferença arrepiante.
(...) Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e no fim apresenta-no-lo como modelo de correcção, de arrependimento, uma múmia moralmente dessecada e semilouca.
Foi condenado a 8 anos de trabalhos forçados na Sibéria (mais tarde reduzidos para metade), imediatamente seguido por um período de serviço militar obrigatório.
Após uma viagem de trenó de 14 dias, os prisioneiros chegam a Tobolsk, um estabelecimento prisional a meio caminho daquele onde iriam permanecer.
Dostoiévski consolou vários prisioneiros, como Petrashevist Ivan Yastrzhembsky, que revelou ficar surpreendido pela bondade do escritor. Consolação que o fez abandonar a sua decidão de cometer suicídio.
Em Tobolsk, os prisioneiros recebem comida e roupas das mulheres Dezembristas, bem como várias cópias do Novo Testamento com uma nota de 10 rublos dentro de cada cópia.
Onze dias depois, os prisioneiros chegam a Omsk, o seu destino final.
Já disse que, no decurso dos meus anos de trabalhos forçados, nunca notei nos meus camaradas o mais pequeno arrependimento, o menor rebate de consciência; no seu íntimo, a maior parte considerava que procedera bem.
(...) Todavia, parece-me que, durante tantos anos, deveria ter surpreendido naqueles corações um indício qualquer de sofrimento, de desespero; mas, positivamente, não notei nada. Sem dúvida, não se deve julgar segundo ideias preconcebidas; e, sem dúvida ainda, a filosofia do crime é mais complicada do que se pensa.