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Livrologia

Livrologia

21
Ago16

Tens de ler os russos ||1||

coffee.jpg

Um dia disseram-me «Tens de ler os russos.»

Os russos permaneceram no esquecimento durante os meus anos de secundário e anos universitários.

Enquanto divaguei pela literatura portuguesa, em horas intermináveis de aulas, ensaios, apresentações, nunca ninguém referiu os russos e a sua importância na literatura mundial. 

Era como se nunca tivessem existido.

Mesmo quando trocava ideias de leituras com colegas e amigos, os russos permaneceram um mistério sobre o qual ninguém ousava falar.

Esse dia, o dia de «Tens de ler os russos», ficou a palpitar no meu subconsciente como um coração desfalecido de saudade por palavras nunca lidas, mas muito ansiadas.

Imagem www.pinterest.com

21
Ago16

Não pôde esperar, suspirou e partiu!

«Quem é?» - 

«A velhice. Vim ter contigo.»

«Volta mais tarde. Estou ocupado. Tenho coisas que fazer!»

Escrevi.

Telefonei.

Estraguei uma omeleta.

Depois abri a porta,

mas não estava lá ninguém.

Talvez uma partida dos amigos.

Ou talvez não ouvisse bem o nome.

Não foi a velhice - 

mas a maturidade que aqui esteve,

não pôde esperar,

suspirou

e partiu!

Ievgueni Ievtuchenko

in Poetas Russos, antologia de Manuel Seabra

21
Ago16

Deram-me riqueza, mas não me disseram que fazer com ela

Vagueio pelas ruas apinhadas da capital

por cima das alegres águas de Abril,

escandalosamente ilógivo,

inescusavelmente jovem.

 

Tomo eléctricos de assalto,

minto com entusiasmo,

e corro eu próprio atrás de mim,

e não me posso apanhar.

 

Estou aturdido pelas barcaças bojudas,

pelos aviões,

pelos meus próprios poemas...

Deram-me riqueza,

mas não me disseram que fazer com ela.

Ievgueni Ievtuchenko

in Poetas Russos, antologia de Manuel Seabra

21
Ago16

Ievgueni Ievtuchenko| Uma descoberta inesperada

Nascido na Sibéria a 1933, publica as suas primeiras poesias aos 16 anos.

É um dos poetas soviéticos mais conhecidos no estrangeiro pelas suas viagens e entrevistas.

A sua poesia combina um naturalismo pormenorizado com um tom polémico e veemente.

O seu poema Herdeiros de Estáline foi largamente utilizado durante a campanha anti-estalinista, o que certamente contribuiu para a sua popularidade.

in Poetas Russos, antologia de Manuel Seabra

download.jpgImagem www.oexplorador.com.br

21
Ago16

Fiódor Dostoiévski| Recordações da Casa dos Mortos

No prefácio deste livro Dostoievski alega que se baseou na vida de um outro prisioneiro que deixara, após a sua morte, "um caderno volumoso, coberto de letra fina, mas inacabado, abandonado, sem dúvida, pelo seu autor" com "notas acerca dos trabalhos forçados" que vivera.

Talvez para se defender da censura de outrora, mas é muito claro que Dostoiévski escreve o livro na primeira pessoa, levando-nos com ele naquele sofrimento atroz de clausura.

Este livro é para ser lido no Inverno, num dia chuvoso e triste e não, como eu o fiz erradamente, em dias felizes de sol e mar. A liberdade do mar não é compatível com as correntes, com a tristeza, com a clausura sufocante que este livro transmite.

Senti-me penosamente agrilhoada a este livro e, só hoje o finalizo, após tantos dias de palavras aprisionadas.

Senti como é não ter liberdade, sem, de facto, a perder.

Ser-me-ia impossível dizer-te o que aconteceu à minha alma, às minhas crenças, à minha inteligência e ao meu coração no decurso destes quatro anos. Levaria muito tempo a contar. Mas a permanente concentração em mim mesmo, que me permitiu fugir à amarga realidade, deu os seus frutos. Agora tenho exigências e esperanças em que nem sequer teria pensado.

Carta de 22 de Fevereiro de 1854, dirigida ao irmão

 

Mas a alma, o coração, o espírito, o que lá cresceu e amadureceu, e o que lá murchou, o que foi rejeitado juntamente com o joio, não se pode transmitir nem descrever num pedaço de papel.

Carta de 30 de Julho de 1854, dirigida ao irmão

 

21
Ago16

Quis segurá-los nas minhas mãos

Foram forçados que nos libertaram das grilhetas, na oficina de engenharia.

(...)

Os ferros caíram. Endireitei-me. Quis segurá-los nas minhas mãos, olhá-los uma última vez... Estava tão surpreendido de já não os sentir nas pernas!

Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos

siberia5.jpgImagem Getty Images

21
Ago16

Fiódor Dostoiévski| Omsk

 

Omsk é uma feia cidadezinha, quase sem árvores. No Verão, um calor tórrido, vento e poeira; no Inverno, um vento tempestuoso. Não vi o campo. A cidade é suja, militar e dissoluta no mais alto grau.

Carta a 22 de Fevereiro de 1854, dirigida ao irmãoomsk.jpgOmsk - a cidade que albergou o campo de trabalhos forçados - agora, no séc. XXI

Imagem www.pinterest.com

21
Ago16

A liberdade, o maior bem da Humanidade

Como chegara aos trabalhos forçados no Inverno, deveria ser libertado na mesma estação, no aniversário da minha entrada!

Com quanta impaciência aguardei esse Inverno, com quanta impaciência vi o Verão morrer, as folhas amarelecerem nas árvores, a erva secar na estepe!

Mas o Verão terminou, finalmente, o vento outonal começou a gemer, caiu a primeira neve...

Chegara aquele Inverno tão longamente esperado!

O louco antegozo da liberdade acelerava-me o ritmo do coração, que batia com pancadas violentas, surdas.

E, coisa estranha, quanto mais o tempo passava, quanto mais se aproximava o momento, mais paciente me tornava, mais calmo me sentia.

Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos

siberia6.jpgImagem www.notey.com 

21
Ago16

Um mensageiro de outro mundo

Havia anos que não lia um único livro e seria difícil descrever a estranha emoção que me causou o primeiro volume - uma revista.

Lembro-me de ter começado a ler à noite, depois de fecharem as casernas, e de ter continuado a leitura pela noite fora, até ao nascer do dia.

Dir-se-ia que viera até mim um mensageiro de outro mundo.

Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos

21
Ago16

Paradoxos espantosos

Não é raro certas pessoas muito inteligentes obstinarem-se a defender paradoxos espantosos, mas quase sempre já sofreram tanto pelas suas ideias que lhes seria muito doloroso e talvez até impossível renunciar a elas.

Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos

21
Ago16

Penso, penso tanto que a minha alma palpita de esperança...

O momento mais triste de todo o longo dia era o entardecer e o cair da noite, à luz das velas de sebo.

Deitávamo-nos cedo.

Uma lamparina trémula brilhava ao longe, junto da porta, como um ponto luminoso, mas do nosso lado a obscuridade era total.

O ar tornava-se asfixiante.

A certa altura, um doente que não consegue dormir levanta-se e fica hora e meia sentado na cama, de roupão e barrete, com a cabeça inclinada, como mergulhado nas suas reflexões.

Observo-o durante uma hora e, para matar o tempo, tento adivinhar em que pensa.

Ou então começo a sonhar, a recordar o passado.

O grande e claro quadro das recordações desenha-se, revejo certos pormenores que, noutras circunstâncias, teria esquecido ou me impressionariam muito menos. E depois imagino o futuro. Que me acontecerá, depois dos trabalhos forçados? Para onde irei? Poderei regressar à terra natal? Penso, penso tanto que a minha alma palpita de esperança...

Fiódor Dostoiévski-Recordações da Casa dos Mortos

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