Foram apenas cinco, mas tantas as páginas, tantas as palavras que percorri, que sinto estar numa demanda, ouso dizer, não só intelectual, mas também espiritual, sendo estes apenas os meus primeiros passos.
Os primeiros de uma longa viagem da qual já não quero voltar, nem olhar para trás.
Nesta minha busca, seria inevitável o meu coração dividir-se.
Por mais imparciais que queiramos ser como leitores, há palavras que dedilham tão harmoniosamente as cordas do nosso coração, que a nossa alma se afina apenas com alguns dos escolhidos.
Turgeniev viria a ser o único escritor russo com uma visão e empatia declaradamente europeístas.
Embora tivesse sido educado em casa, nas escolas e nas universidades de Moscovo e São Petersburgo, Turgeniev considerou sempre que a sua verdadeira educação ocorreu durante a sua imersão "no mar alemão", onde passou os anos de 1838 a 1841 na Universidade de Berlim.
Em casa apenas se falava o francês, tendo aprendido russo com os servos da família. Nos seus anos escolares, já demonstrava a sua rebelião perante as suas próprias origens aristocratas, tendo ficado conhecido por entre os seus colegas de escola como "o Americano", em parte pelas suas inclinações democráticas.
A educação em Berlim tornou-o num fiel seguidor da superioridade do Ocidente, embrenhando-o na crença de que a Rússia necessitava de seguir um percurso de ocidentalização.
Turgeniev foi o segundo filho de Sergey Turgenev e Varvara Petrovna, que possuía a extensa propriedade Spasskoye-Lutovinovo, onde o escritor passou a sua infância.
A figura dominante da mãe ao longo da sua infância e adolescência marcaria indelevelmente todas as suas heroínas. Aliás, a propriedade de Spasskoye viria a ter um duplo significado para o jovem Turgeniev: uma ilha de civilização aristocrata na Rússia rural e um símbolo da injustiça da subserviência do campesinato.
Contra este paradoxismo do sistema social russo, Turgeniev prestaria um juramento de animosidade perpétua, que se viria a tornar a fonte do seu liberalismo e a inspiração para a sua visão da intelectualidade, de pessoas dedicadas à melhoria social e política do seu país.
Aproximou-se da janela e encostou a testa ao vidro frio. A sua própria cara parecia fitá-lo do lado de fora, os olhos perdiam-se-lhe num véu negro (...).