O hetmã era eleito por todas as kurenes reunidas. Era, em geral, algum guerreiro famoso nas regiões vizinhas pelas suas empresas valorosas. Cada kurene arranjava também um chefe, que ficava às ordens do hetmã principal.
A eleição realizava-se todos os anos, no dia primeiro de janeiro, durante uma assembleia geral da Setch. Os chefes que, durante o ano anterior, não tinham satisfeito eram demitidos e substituídos por outros. Com algumas variantes, o processo manteve-se sem grandes modificações até aos nossos dias.
Durante essas assembleias, os zapórogos procediam à partilha das suas terras. Não apenas os campos e os bosques, mas também os rios e os lagos eram divididos entre todas as kurenes. Mas os cossacos não procuravam tirar grande proveito desta divisão. Era para eles um costume, uma espécie de ritual, mais do que uma distribuição imparcial dos bens, pois não se prendiam nada ao solo.
Os zapórogos, originários das margens do Dnieper e do Don, constituíam uma associação guerreira que se singularizava sobretudo pelo seu género de vida. A sua residência chamava-se Setscha, ou Setch, espécie de campo fortificado, que era frequentemente deslocado e, por vezes, transferido para centenas de verstas (léguas) de distância, sem dúvida para despistar os inimigos, os quais, embora incapazes de vencer os zapórogos, os assediavam e perseguiam incessantemente.
A Setch dividia-se em secções, ou kurenes. Cada cossaco pertencia a uma dessas kurenes, e era obrigado a nela permanecer, se queria continuar a pertencer ao grupo.
Semelhantes, neste aspecto, aos espartanos, cuja austeridade e firmeza de carácter eram lendárias, os zapórogos viviam em comum e alimentavam-se frugalmente. Um regulamento severo proibia a entrada das mulheres na Setch. O cossaco que se queria casar tinha liberdade para o fazer, mas devia estabelecer o seu lar fora do campo.
in Prefácio de Tarass Bulba de Nikolai Gogol
Museu dos Cossacos Zapórogos
Khortytsia, o local junto ao rio Dnieper onde se estabeleceu a primeira Setch
Para apreendermos, em todo o espectro, a genialidade de Gogol é obrigatório ler o que escreveu sob a alçada da sua terra natal, marcado pelo folclore ucraniano e pelas suas extensas paisagens.
Não há sátira aqui, sob este sol e frio ucranianos. Há amor, luta, sobrevivência e um sentimento de liberdade que mais nenhum texto sob o punho de Gogol alguma vez viria a ter.
Taras Bulba (Illustration for Story by N. Gogol), 1890s. Artist: Zichy, Mihály (1827-1906)
Gogol era um potencial escritor do 'elevado estilo' (Taras Bulba, é um exemplo característico do seu trabalho nesse mesmo estilo, e o próprio escritor continuou a trabalhar nele ao longo de toda a sua carreira literária, considerando-o a sua maior conquista), mas não teve oportunidade de o desenvolver plenamente sob as condições da então Ucrânia, e acabou por deixar o seu país natal para se tornar num satírico.
A sua sátira, nascida do caloroso humor nacional ucraniano, perde grande parte dos seus traços benignos e humanos na fria e estrangeira cidade de São Petersburgo, transformando-se numa sátira maldosa e demoníaca, porque, segundo as suas próprias palavras, ele só conseguia ver "A rudeza e feia vulgaridade de pessoas rudes e feias"
- Não se iluda assim, nobre senhor! - disse ela, sacudindo tristemente a cabeça. - Sei bem de mais, infelizmente, que este amor é impossível. Sei onde está o seu dever, sei com que está comprometido: o seu pai chama-o, os seus camaradas, o seu país, todos o chamam - e somos inimigos.
- Que são para mim o meu pai, os meus camaradas, o meu país? - exclamou André, atirando a cabeça para trás; e ergueu-se em toda a sua estatura, lembrando um choupo novo, na margem de uma ribeira. - Para mim, daqui em diante, ninguém mais conta! Ninguém! - repetiu ele, fazendo com a mão o gesto com que os cossacos exprimem a sua determinação de realizar um feito inaudito, uma empresa de que só um cossaco é capaz. - Quem é que diz que a Ucrânia é o meu país? Fui eu que decidi? A pátria de um homem não é aquela que ele escolheu? A minha pátria és tu! És o meu país natal, aquele que trago na alma. E quero trazê-lo assim até ao meu último suspiro, e nenhum cossaco mo tirará! E, por este país, daria tudo, daria a vida, se fosse preciso!
Mas nem a arte do melhor poeta, nem a do maior pintor saberiam exprimir o que um olhar de mulher é, por vezes, capaz de dizer, nem o sentimento que se apodera daquele a quem esse olhar é dirigido.