A literatura não é uma ilha utópica para onde se vai viver, antes um livre exercício imaginativo que não obriga o leitor a perder o mundo como sua referência empírica.
Em suma, a literatura ocupa o seu próprio e inconfundível lugar na vida do espírito. Não com a veleidade de surgir como uma via «séria» ou intelectualmente depurada rumo a uma verdade, seja esta filosófica, científica ou religiosa mas com o objectivo de criar mundos ficcionais para ajudar a viver melhor no mundo real. Isso, porém, não demite a literatura de perseguir fins mais elevados.
Basta ler o Decameron para o compreender. Lá, vamos encontrar crítica social, religiosa, moral. O que a afasta de outros planos não são os conteúdos, é a forma, assim como o espírito de quem escreve e o espírito de quem lê.
Podemos aprender com os romances mas não é para aprender que os lemos.
Podemos fazer Filosofia com os romances mas não é para fazer Filosofia que os lemos.
Podemos fazer crítica social com os romances mas não é para fazer crítica social que os lemos.
Lemos romances, contos, enfim, histórias, porque dão prazer, mais um prazer que perseguimos na vida no meio de tantos outros.
A sua profissão como médico trouxe-lhe um certo número de revelações e experiências que transcreveu nos seus livros.
Oh sim, oh sim, passei trinta e cinco anos a praticar medicina, e isso conta. Corri muito na minha juventude. Subíamos muitas escadas, víamos muita gente. Ajudou-me muito sob muitos aspectos, devo dizer. Sim, enormemente. Mas não escrevi nenhum romance médico, isso é um aborrecimento abominável ... como Soubiran.
Sentiu a sua vocação médica muito cedo na vida, e mesmo assim começou de forma completamente diferente.
Oh, sim. E como! Queriam transformar-me num comprador. Num vendedor de um departamento de uma loja! Não tínhamos nada, os meus pais não tinham meios, percebe? Comecei na pobreza e é assim que vou acabar.
Louis-Ferdinand Céline em entrevista
Tradução livre do inglês de entrevista a Céline por Jacques Darribehaude and Jean Geunot in The Art of Fiction No. 33-www.theparisreview.org
Os pequenos passos tímidos pelas páginas de Knut Hamsun levaram-me primeiro a este conto que, das suas poucas palavras se amplifica numa grandiosidade abismal do que é aparentemente pequeno, mas que se estende pelas vastas planícies do interior do ser humano.
O conto Na Ilha Blåmandsøy conta-nos também das difíceis e complexas relações que se estabelecem entre os habitantes das pequenas ilhas
Como em todas as pequenas ilhas, tudo o que se sente e tudo o que acontece tem um impacto diferente na forma como as pessoas encaram a realidade e se uma pequena alegria poderá traduzir-se no alcançar da plena felicidade, um triste acontecimento ou uma insatisfação poderá desencadear ódios, desejo de vingança e culminar numa tragédia.
Knut Hamsum em Na Ilha Blåmandsøy explora como as relações humanas poderão ser um reflexo da própria natureza envolvente, da mesma forma que nos mostra que o ser humano pode ser escravo dos seus sentimentos e desejos mais obscuros tornando-se na criatura mais solitária de uma pequena ilha, tornando-se também ele uma ilha perdida na imensidão do oceano.