Harold Bloom é um dos grandes mestres do pensamento literário do século XX.
Admiro até à paixão a inteligência fulgurante e a erudição magnífica deste pensador arrojado, deste autêntico amante da grande literatura, deste leitor fanático do que de melhor a nossa cultura ocidental já produziu.
Manuel Frias Martins in Introdução d'O Cânone Ocidental de Harold Bloom
Em 1847, Tolstoi começou a escrever um diário, que se tornou no seu laboratório para experiências de auto-análise e, mais tarde, para a sua ficção.
Com algumas interrupções, Tolstoi manteve os seus diários ao longo da vida, tornando-se num dos escritores mais copiosamente documentados.
Os primeiros diários revelam o seu fascínio pela criação de regras, visto que Tolstoi criou regras para os diversos aspectos do comportamento social e moral.
Mas também revelam o constante fracasso do escritor em honrar essas mesmas regras: as suas tentativas falhadas de criar novas regras para garantir a obediência às antigas e os seus frequentes actos de auto-punição.
A conclusão final de Tolstoi, de que a vida é demasiado complexa e desorganizada para se adaptar às regras ou aos sistemas filosóficos, talvez esteja na origem das suas tentativas fúteis de auto-regulação.
De uma maneira geral, o serviço militar corrompe os homens porque os põe em condições de absoluta ociosidade, isto é, não lhes dá nenhum trabalho razoável e útil. Liberta-os de todos os deveres sociais substituindo-os por um convencional sentimento de honra em relação ao regimento, ao uniforme e à bandeira, assim como por um poder ilimitado sobre uma certa categoria de seres, por um lado, e por uma obediência servil aos chefes hierárquicos, por outro.
Depois de deixar a universidade em 1847, sem um diploma, Tolstoi regressou a Yasnaya Polyana, onde planeava educar-se, gerir a sua propriedade e melhorar o lote dos seus servos.
Apesar das frequentes resoluções de mudança do seu modo de vida, continuou a levar uma vida de libertino durante as suas estadias em Tula, Moscovo e São Petersburgo. Em 1851 juntou-se ao seu irmão mais velho Nikolay, um oficial do exército, no Cáucaso e depois ingressou no próprio exército. Participou em campanhas contra os povos nativos e, logo depois, na Guerra da Crimeia (1853-56).
A princípio Nekliudov resistira, mas a luta era demasiado difícil, porque tudo o que, de acordo com a sua consciência, lhe parecia bom era reprovado pelos outros, e inversamente o que lhe parecia mau era elogiado por aqueles que o rodeavam. Por isso acabou por ceder. Perdeu confiança em si próprio e pôs-se a acreditar nos outros.
E mais: agindo de acordo com a sua consciência, expunha-se a uma crítica severa dos homens; seguindo-lhes o exemplo, recebia a aprovação de toda a gente do seu meio.
Educado em casa por tutores, Tolstoi matriculou-se na Universidade de Kazan em 1844 como estudante de línguas orientais.
O seu histórico escolar precário obrigou-o a transferir-se para a faculdade de direito, muito menos exigente, onde escreveu uma comparação entre O Espírito das Leis do filósofo político francês Montesquieu, e o nakaz (instruções para o código legislativo) de Catarina, a Grande.
Interessado em literatura e na ética, ficou fascinado pelas obras dos romancistas ingleses Laurence Sterne e Charles Dickensand, e pelos escritos do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau. Tolstoi em vez de usar uma cruz, usava um medalhão com o retrato de Rousseau, mas passou a maior parte do tempo a tentar ser comme il faut (socialmente correcto), bebendo, jogando e dedicando-se à devassidão.