Sim, eu sei, continuava Joana. A distância que separa os sentimentos das palavras. Já pensei nisso. E o mais curioso é que no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é, seguramente, o que eu sinto mas o que eu digo.
Desejava ainda mais: renascer sempre, cortar tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurar-se num terreno novo onde todo pequeno acto tivesse um significado, onde o ar fosse respirado como da primeira vez.
Muitos anos de sua existência gastou-os à janela, olhando as coisas que passavam e as paradas. Mas na verdade não enxergava tanto quanto ouvia dentro de si a vida. Fascinara-a o seu ruído - como o da respiração de uma criança tenra -, o seu brilho doce - como o de uma planta recém-nascida.
Ainda não se cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade, sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e silenciosa como um entardecer.
Mas onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer?
Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso?
O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si?
Utilizar-se como corpo e alma em proveito do corpo e da alma? Ou transformar sua força em força alheia? Ou esperar que de si mesma nasça, como uma consequência, a solução?