A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie.
in Uma História de tanto Amor
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector
Terminada esta nota vou-me perfumar com um perfume que é meu segredo: gosto das coisas secretas. E estarei pronta para enfrentar o frio não só o real como os outros.
Sou uma mulher a mais.
in O Suéter
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector
Só no dia 12 de Janeiro de 1943, é que Clarice consegue, finalmente, naturalizar-se brasileira. Onze dias depois, casa-se com Maury, numa cerimónia civil.
Em 1944 mudam-se para Belém devido às funções como vice-cônsul de Maury. Nessa época, sem ocupações profissionais, Clarice dedica-se à leitura de escritores que desconhecia, como Jean-Paul Sartre, Rainer Maria Rilke, Marcel Proust, Rosamond Lehmann e Virginia Woolf.
Com o fim da II Guerra Mundial, Maury é destacado para o consulado brasileiro na comuna italiana de Nápoles. O casal inicia a viagem, fazendo várias paragens antes da chegada a Nápoles: Libéria, Guiné, Senegal, Portugal, entre outros países.
Em Lisboa, o casal foi convidado para um jantar dado pelo poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto, no qual compareceram o biógrafo João Gaspar Simões, a romancista Maria Archer e a poeta Natércia Freire, com a qual Clarice viria a estabelecer uma longa amizade.
Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.
Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.
in «Ritual« - Trecho
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector
Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu trabalho, já que não ouso mais falar em caminho.
Eu que tinha querido.
O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei.
Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros.
Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector
Há uma luta dramática contra a injustiça neste livro, talvez tenha sido por isso.
Para mim não significa só serem dois a falar mas também, porque o dual é uma forma arcaica que só quase Homero usa, a tentativa de uma fala arcaica para uma relação arcaica como mundo. Enjoei os modernismos.
Palavras de Sophia para Jorge de Sena, explicando o título deste livro