Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta? A verdade é o resíduo final de todas as coisas e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo.
in Brain Storm
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector
Cecília cedo foi marcada pela orfandade, uma solidão imposta pelo Destino, tatuando de melancolia todas as palavras que viria a escrever.
Se tivermos presentes as sombrias condições em que decorreram a infância e a adolescência de Cecília Meireles: filha póstuma, orfã de mãe aos três anos, filha única depois de ter morrido sua única irmã que julgo não chegou a conhecer, educada com a avó materna que não podia deixar de a rodear das presenças apenas sombras de tantos mortos.
- José Bento
Uma infância marcada pela perda profunda das pessoas que teriam sido os seus pilares: o pai e a mãe.
O pai, funcionário do Banco do Brasil, morre quando Cecília estava ainda dentro da barriga da mãe. Três meses depois viria a nascer, à luz da tristeza e solidão da mãe.
Matilde Meireles vivera também perdas profundas antes do nascimento da sua filha Cecília. Já tinha perdido os seus outros filhos Carlos, Vítor e Carmem. Com Cecília seriam quatro filhos, mas nunca chegaram a ser dois sequer, porque, mal nascia um, o outro já tinha morrido.
Cecília nasce assim num mundo de luto e ausência, de solidões inevitáveis, de melancolias inadiáveis:
A menina de preto ficou morando atrás do tempo,
sentada no banco, debaixo da árvore
recebendo todo o céu nos grandes olhos admirados.
Alguém passou de manso, com grandes nuvens no vestido,
e parou diante dela, e ela, sem que ninguém falasse,
murmurou: «A MAMÃE MORREU».
Já ninguém passa mais, e ela não fala mais, também.
O olhar caiu dos seus olhos, e está no chão, com as outras pedras,