A curiosidade leva-nos longe, é o princípio de todas as renovações.
Gosto das pessoas porque sou curiosa delas.
Ainda hoje, estava à espera do comboio para Lisboa, que já me é tão familiar, temos quase uma relação física, quando surgiu uma mulher e eu convidei-a a sentar-se no banco, a meu lado. Sentou-se e falou todo o tempo sobre si, necessitava de alguém que a ouvisse.
Essa capacidade da pequena vagabundagem que as mulheres têm, a partir de certa altura, normalmente depois de criarem os filhos, de serem viúvas, de estarem reformadas, é verdadeiramente deliciosa.
De regresso a Clarice para finalmente acabar de ler as suas crónicas.
Por causa dela estou de castigo na biblioteca e proibida de requisitar mais livros. Segundo eles, Clarice está há demasiado tempo comigo, mas continuo a achar que nunca será suficiente o tempo que passo com ela.
Faltam-me 226 páginas que poderia rapidamente ler num ápice, mas que recuso, preferindo enamorar-me devagar das páginas que leio.
Creio que já esgotei todas as palavras sobre os poemas de Cecília Meireles, restando muito poucas para dizer sobre esta antologia.
Partilho as palavras de José Bento e resguardo-me no silêncio da poesia de Cecília, para perpetuar o seu eco, enquanto não abraço outro escritor ou poeta:
Sobre a poesia de Cecília muito se pode dizer, mas esse muito será ínfimo comparado com a sua riqueza, será talvez excessivo e marginal: o seu espírito permanecerá inviolado após cada tentativa de penetração, sobrepondo-se a qualquer ensaio que pretenda explicá-lo. O seu segredo - como o de toda a grande poesia - é tão fundo como sedutora a voz com que chama quem se debruçar sobre os seus versos. Por isso, a poesia de Cecília Meireles há-de ser profundamente amada por quem for ainda capaz de amar poesia.
Serão os mais trágicos que conseguem escrever com esta delicadeza à tona de cada palavra? Será o trágico necessário para se escrever assim?
Esta pastora de nuvens alada que vive na ausência, distante na proximidade que mantém com os outros, tem um pouco de mim.
Exilada em si própria, numa pátria que lhe é estrangeira, sem território, em viagem constante mesmo na sua permanência.
E chega assim este momento inadiável em que retiro Cecília debaixo do braço, onde se aninhou durante meses, em todos os lugares, em todos os tempos, indo e regressando sempre.
Devolvo-o à bibliotecária que o coloca no carrinho junto dos outros livros, como se Cecília não fosse especial.
Apenas mais um livro que deve voltar para uma prateleira poeirenta de onde não sairá tão cedo.