No entanto ele não se confundia com um deus. Nos deuses ser e existir estão unidos. Nele a vida vivida nem sequer era serva do ser, nem sequer era o chão que o ser pisava, mas apenas acaso sem nexo, desencontro, acidente sem forma e sem verdade, acidente desprezado.
in Praia
Contos Exemplares - Sophia de Mello Breyner Andresen
Era como se ele tivesse querido guardar o seu ser à margem do vivido, por não haver na vida acto nenhum onde o ser pudesse ser cumprido e a existência concreta fosse apenas deturpação, falsificação, profanação.
E assim ele tinha resolvido usar a sua própria vida como não sendo dele, usá-la como os músicos da orquestra usavam os seus fatos alugados.
in Praia
Contos Exemplares - Sophia de Mello Breyner Andresen
O conto de Sophia que estou a ler - Praia - tem uma praia real por detrás dele: a Praia da Granja. Era nesta praia, na Casa Branca, onde Sophia passava as férias de Verão com a família, que a inspiração a despertava, levando-a a escrever os mais belos poemas e histórias.
A mítica Casa Branca na Praia da Granja ainda guarda as memórias de Sophia, ao sabor das ondas e da maresia que tanto a encantaram:
Mas a pequena povoação nortenha foi também o local onde começou a escrever poemas, ainda mal tinha chegado à adolescência. A escrita, compulsiva, tanto podia acontecer na própria casa de férias como nos cafés das redondezas. “A Barraquinha” era um desses espaços, no qual Sophia permanecia horas sem fim, “virada para o mar e remetida ao silêncio, mas sempre a escrever”, como relembrou em entrevistas Maria José Santos, filha da concessionária de então.
Numa carta Sophia confessou o porquê da sua Granja ser tão importante para ela:
Sophia de Mello Breyner confessava, aos 25 anos, numa carta dirigida a Miguel Torga, que “a Granja é o sítio do mundo de que eu mais gosto. Há aqui qualquer alimento secreto”.
Para além da Praia da Granja ser retratada no conto, há também um clube à beira-mar onde todos se reuniam depois do veraneio, que existiu mesmo:
Mal atravessa o caminho de ferro as memórias atropelam-se. “Era aqui a Assembleia!”, aponta, enfática, para a cratera gigantesca onde começam a ser erguidos os alicerces, aludindo ao clube privado onde todas as tardes e noites se encontravam os veraneantes.
Nos seus amplos salões, a que só acediam membros abastados ou famílias com passado nobre, como era o caso dos Andresen, tanto se discutia política como se jogava ténis e bridge ou se dançava até altas horas da noite.
O ambiente da Assembleia seria plasmado no conto “Praia”, no qual é descrito o quotidiano de um clube à beira-mar em que todos os membros estão demasiados absorvidos com o presente para se preocuparem com o futuro.
E era difícil dizer de que tempo ele vinha; pois dos personagens das histórias de um tempo antigo ele tinha a voz, o olhar e os gestos. Mas não o destino, nem a vida vivida.
Era mesmo como se ele tivesse rejeitado todo o destino, toda a vida vivida, como uma coisa alheia, exterior e falsa e lhe bastasse aquele momento, aquele bar, aquela mesa, aquela conversa, aquele copo.
in Praia
Contos Exemplares - Sophia de Mello Breyner Andresen
Encostado à ombreira de uma porta, um homem solitário, alto e magro como uma árvore no Inverno, tirou o relógio do bolso e viu as horas. Depois guardou o relógio depressa como se tivesse vergonha do tempo.
in Praia
Contos Exemplares - Sophia de Mello Breyner Andresen
Não sei se será do eclipse, sinal de apocalipse como diriam os antigos, ou se da própria sombra dos tempos que ilumina o que se esconde na aparência das coisas. Cair de joelhos e reverenciar a ilusão da vida é contraproducente e a transparência humana a cada um diz respeito, não sendo assunto mundano que se discuta como um jogo de futebol.
O país vive assoberbado pelo seu próprio vazio e o espanto não se pode calar perante o que se escreve ou o que se diz levianamente, por piada ou só porque sim.
Pedro Lima como tantos outros seres humanos merecem respeito e silêncio pela sua humanidade, que se esvaiu como pó ao vento, à mercê de um mundo que não perdoa a sensibilidade, nem a gentileza.
As pessoas iam-se embora, as salas iam ficando vazias e passavam no ar interrogação e silêncio, como se qualquer coisa, qualquer coisa obscuramente desejada e prometida, não tivesse acontecido.
in Praia
Contos Exemplares - Sophia de Mello Breyner Andresen
Espreito os jornais e ao virar de cada página pergunto-me 'quando é que tudo isto acaba?'.
A PSP anda atarefada a dispersar festas, os infectados são cada vez em maior número na área de Lisboa e Vale do Tejo e um médido, após dois dias de voz rouca é internado nos Cuidados Intensivos e a vida que o alimentava esvai-se.
Não bastasse o absurdo das mortes que esta pandemia tem provocado, António Costa declarou que a Champions "é um prémio para os profissionais de saúde".
O absurdo subiu um nível com esta frase, com a atribuição de um prémio desprezível, porque os profissionais de saúde precisam de muito mais do que um jogo de futebol da Liga dos Campeões para a sua luta diária pela vida, a sua e a dos outros.
Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), declarou ao jornal Público qual o prémio que os profissionais de saúde querem receber:
Os profissionais de saúde não querem medalhas nem jogos de futebol. Querem é ser reconhecidos da maneira que é normal em qualquer profissão, com melhores condições de trabalho.