O meu plano era ler apenas três livros de Mário de Andrade, mas à medida que o lia o fascínio ia crescendo. E de três passaram a oito.
Apesar de ter escrito muitos livros sobre vários temas, incluindo música e arte, decidi não os ler, por não se incluirem na linha de leitura que pretendia fazer, mas abri uma excepção: A Escrava que não é Isaura.
E porquê?
Porque foi escrito em pleno auge da euforia do modernismo brasileiro. O seu subtítulo esclarece de imediato a sua natureza: Discurso sobre algumas tendências da poesia Moderna.
Este subtítulo faria adormecer o mais desperto e paciente dos leitores, mas nada há a temer. Não é um livro pejado de tecnicismos incompreensíveis e aborrecidos, muito pelo contrário está cheio de reflexões inestimáveis sobre a poesia e a sua evolução. E há reflexões que são verdadeira poesia, apesar de não estarem em verso.
Começo por uma história. Quase parábola. Gosto de falar por parábolas como Cristo... Uma diferença essencial que desejo estabelecer desde o princípio: Cristo dizia: "Sou a Verdade." E tinha razão. Digo sempre: "Sou a minha verdade." E tenho razão. A minha é humana, estética e transitória.
in A Escrava que não é Isaura (1925) de Mário de Andrade
Mas a beleza é questão de moda na maioria das vezes. As leis do Belo eterno artístico ainda não se descobriram. E a meu ver a beleza não deve ser um fim. A BELEZA É UMA CONSEQUÊNCIA. Nenhuma das grandes obras do passado teve realmente como fim a beleza.
in A Escrava que não é Isaura (1925) de Mário de Andrade
Neste primeiro livro de Mário de Andrade há guerra e devastação. Não encontrei eufemismos que pudessem suavizar estes poemas cheios de sangue, desumanamente derramado.
Quando entramos neste templo literário, logo nas primeiras páginas, o poeta pede para não prosseguirmos caminho, não sem antes ouvirmos a sua explicação, as razões que o levaram a escrever e a publicar este livro:
O autor crê necessária esta pequena explicação. Estes poemas foram compostos todos em Abril; e desde logo o autor quis dar-lhes a vitalidade de livro - antes de ter o desvairo dos idólatras atingido o nosso Brasil. Hoje não há mais o ontem em que fomos espectadores. Hoje também os versos seriam muito outros e mostrariam um coração que sangra e estua. O autor nunca foi aliado. Chorava pela França que o educara e pela Bélgica que se impusera a admiração do universo. E permitia a cada um sua opinião... Agora, porém, ele se envergonha pelos brasileiros que, tendo sido germanófilos um dia, mesmo após o insulto, continuaram de o ser. Nem todas as nuvens de todos os tempos, reunidas em nosso céu, propagariam uma treva igual à que lhes solapa a inteligência e o infeliz amor da pátria.
O saudosismo cai sobre mim sempre que me encontro nas últimas páginas de um livro e é nesse estado que me encontro, com o final de Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, o primeiro livro de poesia de Mário de Andrade.
Em cada poema há uma gota de sangue derramada por todos os que sucumbiram às garras da Primeira Guerra Mundial. Cada poema uma reflexão, uma crítica, um lamento perante uma guerra avassaladora que matou a Humanidade. Poemas frios, sombrios, muito sós, como os seus combatentes.
Escreveu-os sob o pseudónimo de Mário Sobral, talvez por ser um manifesto antibelicista e pacifista contra uma guerra que considerava absurda em que até os passarinhos riem desumanos.
São poemas imaturos, por serem os primeiros, como Mário de Andrade os viria a descrever mais tarde, mas serão eles a marcar o início do seu percurso poético.
Abriam-se inda no ar alguns obuses, como flocos de paina ; e, ao barulhar bramante do barulho, tectos tombavam, e brotavam luzes, onde fora Lovaina...
- Mas no meio do entulho, nas avenidas e nas alamedas tresloucadas, sem rumo, onde ladrava, sob o fumo, a cainçalha das labaredas; mas pelas vastas praças atupidas de destroços heris de monumentos; nas ruas de comércio, onde mil vidas jaziam, envolvidas na mortalha dos desmoronamentos; mas nos palácios, nas mansardas, nos esqueletos das habitações, nas escolas estraçalhadas, nos átrios, nos terraços, nas escadas, no torvelim dos mortos e das fardas, na boca muda dos canhões, naquele hediondo incêndio triunfal: não calculei ao desastroso mal toda a incomensurável extensão! Nao vi o exício de uma grei humana, o destino infeliz duma raça espartana, o fim terrível duma geração! Si houve crime nefando, nao lhe medi a imensidade: só, dentre as ruínas da universidade, eu vi os grandes livros fumegando!
in Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917) de Mário de Andrade
Quando a paz vier de novo, nova e franca, passar nestas estradas e caminhos, novas aves talvez e novos ninhos hão-de agitar-se pela manhã branca ...
(...)
Virão novas colheitas, virão risadas a remir fadigas, virão manhãs de acordar cedo, virão as tardes feitas de conversas à sombra do arvoredo, virão as noites de bailados e cantigas!...
Excerto do poema Os Carnívoros
in Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917) de Mário de Andrade
Yazykov foi muito apreciado pelos outros escritores e poetas.
Mirsky comparou-o a Derzhavin pelo "seu poder de ver a natureza como uma orgia de luz e de cor". Segundo ele, os seus poemas mais conhecidos, dedicados ao elogio do vinho e da folia, provocavam nos seus leitores uma embriaguez quase física.
Gogol declarou Yazykov o seu poeta favorito. Dizia ele que Yazykov falava "a sua língua, como um árabe com o seu cavalo selvagem".