Vi, vi, vi. Eu sou um espelho; passei toda a minha vida a ver
Depois falou o espelho e disse:
- Eu estava num palácio e em frente de mim havia espaço, espaço, espaço. E o chão era de mármore liso e brilhante. E eu estava no fundo de uma galeria silenciosa e solitária. E contemplava o mudar das horas do dia. Vi os reis e as rainhas, pálidos no dia da coroação, com as suas coroas cintilantes e pesadas. Vi os ministros, os conselheiros e os homens importantes com o seu nariz comprido, a sua cara de caso e o seu ar solícito. E vi as namoradas de vestido branco que nas noites de baile fugiam um instante para a galeria solitária. Elas deslizavam rápidas e leves, negando sempre a flor que lhes pediam. E vi as multidões das revoluções que passavam, desesperadamente, partindo tudo, à procura de justiça. Vi, vi, vi. Eu sou um espelho; passei toda a minha vida a ver. As imagens entraram todas dentro de mim. Vi, vi, vi. E agora estou nesta sala onde não há um lugar onde os meus olhos de vidro descansem. Oriana, tira-me daqui e põe-me em frente de uma parede branca, nua e lisa.
A Fada Oriana - Sophia de Mello Breyner Andresen