Enquanto leio os poemas de Sena a curiosidade aguça-se, de tal modo, que muitas vezes interrompo a leitura para pesquisar respostas para os meus devaneios literários. Por isso é que demoro tanto tempo - demasiado, até - a ler um simples livro.
Estou na página 49 e escondo o marcador por entre as páginas e delas exala um aroma a antigo, cheiro de outros tempos que não os meus.
Parto à descoberta de uma curiosidade que não me larga, que insiste em entrar pelos poemas adentro, desarrumando os versos que tento ler: porque é que Sena assinou sob pseudónimo os seus primeiros poemas?
Sena desde os 16 anos que escrevia, mas só em 1940 publicou os seus primeiros poemas na revista Cadernos de Poesia.
Mas não assinou o nome com que o conhecemos. Assinou com o pseudónimo Telles de Abreu.
Não só porque eram apelidos que constavam da sua identidade - Jorge Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu de Sena -, mas talvez para se proteger da família, que com uma grande tradição militar considerava que a vocação para as artes, para a literatura, para a música, estaria reservada para o sexo feminino.
Não estou a ler as obras poéticas completas de Sena - impossíveis de encontrar -, mas sim uma antologia onde constam os poemas escolhidos a dedo pelo próprio autor. Claro que iria preferir ler tudo, mesmo tudo, mas sob essa mesma impossibilidade, prefiro ler qualquer coisa do que a derradeira opção do nada.
Por isso, tenho andado a ler os poemas escolhidos que correspondem ao livro Perseguição que publicou em 1942.
Este seu primeiro livro teve um nascimento difícil e viu a luz do dia graças ao apoio dos amigos que uniram todos os seus esforços para o publicar: editado sob a égide dos Cadernos de Poesia; pago por Ruy Cinatti e Tomaz Kim; impresso na tipografia Atlântida, de Coimbra, graças ao papel oferecido por João Alves Gomes dos Santos.
Sena vivia com dificuldades económicas e foram os amigos que não só o ajudaram a publicar o primeiro livro de poesia, como também o ajudaram a pagar os estudos, depois do autor ter perdido o pai e a avó materna.
Apesar de tudo isto, Perseguição viria a não impressionar o seu amigo e crítico João Gaspar Simões. Adolfo Casais Monteiro também teve algo a dizer e considerou-o um livro revelador, mas difícil.
No entanto, seria a partir deste livro que Sena se iria tornar num servo da poesia, nunca desistindo dela e dedicando-lhe muitos outros livros.
Uma das minhas resoluções de 2020 foi o regresso à escrita em papel.
Ao longo do ano fui escrevendo, mas nunca acreditando que o hábito se iria inculcar nos meus dias. Aliás, desconfiei sempre que não iria conseguir concluir nenhum caderno.
Qual não foi o meu espanto ao chegar ao dia 31 de Dezembro não com um caderno escrito, mas com cinco. Cumpri não só uma resolução, cumpri também a promessa de regressar aos meus dias de adolescente em que tantas páginas foram escritas.
A escrita em papel não será uma resolução para 2021, faz novamente parte da minha existência.