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Livrologia

Livrologia

05
Jan21

Estar de cabeça pousada no peitoril da janela

(...)

Contaram-me, quando era pequeno,

a história de várias estrelas,

não a história dos nomes que temo e não conhecem por nós,

sim uma história em que eram estrelas,

verdadeiras estrelas nem pregadas no céu.

 

Muitas vezes, ouvir contar foi só:

estar de cabeça pousada no peitoril da janela

a vê-las tremeluzir...

e tornarem-se mais salientes com o escurecer.

Muitas vezes, foi só

aceitar o frio e fechar a janela

-  e, em pequeno, não era eu quem a fechava.

Excerto do poema Nocturnos

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

04
Jan21

Sena é um autor complexo e vasto, um mundo inteiro cabe nele

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Sena é um autor complexo e vasto. Um mundo inteiro cabe nele.

Não só pela vastidão dos temas sobre os quais escreveu ― Amor, Liberdade, Justiça, Humanidade entre outros ― mas também pelas diferentes formas como os expressou ― poesia, romance, contos, teatro, crítica, tradução.

Sena foi mais do que um autor, foi o intelectual que Portugal teve o privilégio de ter. Porque Sena escrevia não apenas pelo prazer de escrever, mas para apreender o mundo, estudá-lo, compreendê-lo e quiçá utopicamente solucioná-lo.

Talvez tenha sido essa vontade utópica que o fez elevar a crítica a um outro nível a que Portugal não estava habituado. Aliás, ainda não está.

A sua crítica nasce do seu poetar, porque enquanto criava poesia, reflectia dentro de si e contemplava tudo à sua volta. Por isso, poesia e crítica em Sena são uma só, porque é do poeta que todas as perspectivas e todas as possibilidades brotam.

04
Jan21

Circunstancial

Nas dobras melancólicas da Terra,

na beira dos passeios mais restritos,

no côncavo dos lagos infinitos,

sentaram-se as crianças derradeiras.

 

Só choram as piores que a fila encerra.

As outras - desgrenhadas, de olhos fitos

no espaço, dedos fitos no chão..., gritos

que ficaram... e lágrimas inteiras

 

que não caem... - as outras endurecem

e odiarão a pele que não conhecem,

a pobre pele nascida depois delas...

 

Aumenta de silêncio contra o vento

o soluçar das débeis... e é mais lento...

Sentem... Sonham... A pele nasceu com elas!

 

Poema Circunstancial

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

03
Jan21

Deserto

Recusarei aos velhos a braseira - 

foi conquistada muito para nada;

venham, dos bandos, despejá-la inteira...

comentem-na, por mim, bem comentada.

 

Venham mentir de sonho à minha beira

e que eu não tenha pressa agoniada.

Juntemo-nos à volta da cadeira

que, nessa beira, nos ficou pregada.

 

Quanto calor do assento ali vazio

encontrará, na palha da vaidade,

as brasas forasteiras de outro frio,

aquele mau cheiro terno da saudade!

 

Venham do mundo as dunas que estão sós;

reuna-se o deserto em todos nós.

 

Poema Deserto

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

03
Jan21

Foi uma luta renhida, oh! se foi

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Vi-me obrigada a adiar o ciclo de leitura de Jorge de Sena para este ano de 2021. Os constrangimentos provocados pela pandemia foram muitos e com as bibliotecas e livrarias fechadas foi impossível conseguir ter os seus livros a tempo.

Não contei nada, eu sei, mas durante todo o ano de 2020 andei à procura dos livros de Sena e vi-me envolvida numa aventura inesperada.

Quando a biblioteca reabriu, descobri, para mal dos meus pecados, que não tinham em catálogo quase nenhum livro de Sena. Comecei depois a procurar por livros disponíveis para venda e descobri que muitos deles estavam esgotados e que outros tantos não tinham previsão de reposição.

Salvou-me a Almedina onde consegui encontrar muitos dos livros dele, mas e a poesia?

Indisponível em todo o lado. Apeteceu-me gritar!

Ler Sena e não ler a sua poesia seria como aprender o alfabeto e não conseguir criar uma única palavra.

Voltei novamente à biblioteca. Procurei incansavelmente por Sena. Encontrei miraculosamente a sua poesia. Aborreci a bibliotecária. Quis tocar nos livros e ela não me deixou. E trouxe os três volumes de poesia debaixo do braço.

Foi uma luta renhida, oh! se foi, mas Sena já está ali na estante, à minha espera.

03
Jan21

E daquela vez que Saturno inclinou de mais o anel?

Relógio combalido...

minutos eram muitos, tantos, tantos..

e os astros à lareira
aprendem a aquecer-se.

 

Quantos céus vieram acabar ali!..

e ali estão a enrubescer à chama

e ajeitando a manta nos joelhos...

 

- E daquela vez que Saturno inclinou de mais o anel?

- E quando passávamos por detrás da Lua!

Na terra toda a gente olhando,

a querer em nós ler o segredo...

 


Relógio combalido...

minutos eram muitos, tantos, tantos.. .

e os astros à lareira

aprendem a aquecer-se

e riem, riem mansamente...

 

quantos céus vieram acabar ali...

- Há quem não conheça a Via Láctea...

- Sabes? Também lhe chamam Estrada-de-Santiago...

- Disseram-me que o outro dia um homem descobriu a minha idade...

 

riem todos, riem mansamente...

minutos eram tantos, tantos, tantos...

 

Da janela da arrecadação

vê-se trabalhar pelo infinito,

uns poucos firmes, outros decididos...

 

Agora mesmo, um Poeta escreveu que nós andámos no infinito...

e riem devagar como se me vissem muito perto.

Excerto do poema Arrecadação

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

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Quanto mais leio menos sei
Tudo o que escrevi para o Desafio de Escrita dos Pássaros está aqui!
Já começou a viagem pelo mundo da Gata Borralheira.
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