Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Livrologia

Livrologia

31
Mai21

Que transportas ao colo em silêncio e num chaile?

Que transportas ao colo
em silêncio e num chaile?

É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas? O mar? Irmãos? Reivindicações? Um livro?

Embalas e não respondes.

É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto? Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?


Excerto do poema Ode ao Surrealismo por Conta Alheia

Pedra Filosofal (1950)

II Poética

in Poesia I de Jorge de Sena

30
Mai21

Desejo, é sol e ramos secos de árvores longínquas, silêncio de mim próprio

Eis-me contemplando ansioso o quadrado luminoso da janela em casas e ruído invisível, ou, encandeado pelo Outono translúcido, os objectos familiares arrumados, embora dispersos, mas calmos. Sobe de mim uma voz que procura, que percorre os armazéns da angústia, da alegria, da memória, escolhe e não encontra nada ou ninguém de quem seja o cântico. E, no entanto, canta suavemente, ou não, não canta, é véspera de canto, modulação futura, suspensão harmónica, desejo, é sol e ramos secos de árvores longínquas, silêncio de mim próprio, sem música, sem tema, é vago entoar de gesto, um ar de dança, claridade, um estar presente, navegar de outono sobre as nuvens em fio.

Poema Véspera de Canto

Pedra Filosofal (1950)

II Poética

in Poesia I de Jorge de Sena

29
Mai21

Sena mostra a sua vulnerabilidade sem se ajoelhar

conversatorio3_1.png

O mundo é tão grande e tão rico, e a vida tão cheia de variedade, que nunca faltarão motivações para poemas. Mas hão-de ser sempre poemas circunstanciais, quer dizer, a realidade terá de proporcionar-lhes o motivo e a matéria.

Goethe em «Conversações de Goethe com Eckermann»
- 18 de Setembro de 1823.

Citação que consta de Pedra Filosofal (1950) I - Circunstância

in Poesia I de Jorge de Sena

À margem dos poemas, há pequenas notas, citações, que Sena vai apontando como uma conversa íntima que vai mantendo com o seu leitor: não só escreve poesia pelo seu próprio punho, mas também partilha as suas leituras.

Nas páginas dos seus livros não se experiencia uma leitura monodimensional, muito pelo contrário, a sensibilidade intelectual do poeta espraia-se para fora dos seus versos de encontro ao leitor com quem mantém uma conversação tertuliana.

Sena mostra a sua vulnerabilidade sem se ajoelhar, questionando filosófica e metafisicamente o mundo, refugiado na sua intimidade humana e ao mesmo tempo saindo dela, afrontando sem desculpas e sem rodeios a condição humana.

Os seus versos palpitam de tensão espiritual, desafiando a norma que propositadamente se complexifica para não ser dissolvida.

Houvesse uma fórmula que definisse a sua poesia, seria aquela que multiplicasse infinitamente o conhecimento de si próprio pelo do mundo.

28
Mai21

Perpassa a noite véus de primavera

Da noite a aragem tépida refrescando vem
surpreender as luzes que, interiores, se apagam
lentamente, uma após outra, como em madrugada
ao longe as luzes de outra margem - rio
descido pelas águas tenuamente crespas,
sombras passando, e escorre matutina,
ainda sem brilho, a vibração das águas,
enquanto rósea apenas de uma aurora ausente
a crista das montanhas reverdece.

Por sobre a plácida e pensante aragem física
das violações diurnas, de amarguras,
vilezas vistas e traições sonhadas,
notícias de jornal e desafios,
guerra eminente ou, mais que dolorosa,
cravada nas imagens de uma paz sombria,
perpassa a noite véus de primavera,
glicínias que amanhã estarão floridas,
e folhas verdes, muito frágeis, tenras,
e o azular-se o mar, o distanciar-se o céu
na crua luz que juvenis sorrisos,
braços ligeiros de alegria funda,
devora lentamente, e as rugas ficam.
- ao longe as luzes de outra margem, rio
onde a noite se esconde até à morte.

Poema Equinócio da Primavera

Pedra Filosofal (1950)

I Circunstância

in Poesia I de Jorge de Sena

24
Mai21

Jorge de Sena | Coroa da Terra

Terminei a leitura dos poemas seleccionados de Coroa da Terra, publicados em 1946, escritos, quase todos eles, durante os anos em que Sena viveu como estudante universitário no Porto.

Quando foi excluído da Marinha de Guerra Jorge de Sena decide estudar Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia do Porto, onde obtém a licenciatura em 1944.

Aliás, 1944 foi um ano difícil para o poeta em que para além do luto pelas mortes do pai e da avó materna, viveu atormentado pelas dificuldades económicas, vivendo da ajuda financeira dos amigos.

Talvez por isso, os poemas de Coroa da Terra me pareçam tão  rudes e dilacerantes, como se a criança que nunca foi não tivesse infância a perder e sofresse de uma adultícia perpétua que nunca o abandonaria.

Pág. 1/3

Quanto mais leio menos sei
Tudo o que escrevi para o Desafio de Escrita dos Pássaros está aqui!
Já começou a viagem pelo mundo da Gata Borralheira.
Cinema e literatura num só.
Venham também!
bookinices_spring.png
Notícias literárias ou assim-assim em Operação Bookini
Espreitem as bookinices
A autora deste blog não adopta o novo Acordo Ortográfico.

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D