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Livrologia

Livrologia

31
Ago21

Um par de poemas de John Clare

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Eu sou, mas o que eu sou, quem cuida ou sabe?
~John Clare~

 

Sena leu um par de poemas de John Clare que o impressionaram de tal modo que quando se proporcionou a ocasião, decidiu conhecer esses lugares tristes do poeta, e o campo inglês da região. E o poema que decide escrever em homenagem ao poeta reflecte as suas impressões:

Nessas notas está a essencial informação sobre John Clare (1793-1864), uma das grandes figuras do Romantismo inglês, ainda hoje não inteiramente posto pela crítica no alto lugar que é o seu, sobretudo pelos poemas (ainda não completamente e criticamente publicados) que escreveu nos últimos vinte e três anos da sua vida, os quais passou encerrado no Asilo de Loucos de Northampton.

De origem extremamente modesta, e camponês sem estudos quase, Clare foi, em jovem, um afugaz moda romântica: como que o pastor das églogas tradicionais, caído em Londres.

Instável, não já a maravilha campestre mas poeta com outras ambições, mergulhou no que talvez não fosse loucura e acabou sendo, enquanto a crítica e a história literária o esqueciam totalmente.

in Notas a alguns poemas de Jorge de Sena

 

Para quem queira cair na mesma tentação de Sena, como eu, aqui ficam os poemas de John Clare.

30
Ago21

De olhar sem ver, à escuta, mão estendida para tocar palpavelmente o que se esvai ou fica

Flutuante em lagos, rios, mares que se não movem

no turbilhão pensado em tempestades frias,

por juvenil que fique, a salvação não passa

de olhar sem ver, à escuta, mão estendida

para tocar palpavelmente o que se esvai ou fica

numa serena construção tranquila

de árvores e sol por entre os ramos, vento

que pela flor levada apenas é previsto.

Excerto do poema À Memória de John Clare

Fidelidade (1958)

in Poesia II de Jorge de Sena

29
Ago21

Uma decisão perfeita em circunstâncias imperfeitas

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Este ano tenho em mãos a oportunidade quase perfeita de poder ir às Feiras do Livro do Porto e Lisboa, mas não irei. Para estar com os livros nunca invento desculpas, mas este ano decidi não ir, contrariando completamente a minha natureza de leitora.

Tenho tanto ainda para ler que não quero cair em tentação de comprar mais livros para empoeirar numa estante já de si tão cheia de histórias por ler. Devo esta reverência a todos os livros que ainda não li. É uma decisão perfeita em circunstâncias imperfeitas.

21
Ago21

Minha querida Mécia, meu Amor

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Bahia, 5.ª feira, 13/8/59

Minha querida Mécia, meu Amor

Faz hoje uma semana que parti, e curiosamente (acabo de olhar para o relógio) pego da caneta para te escrever quando, com as 4 horas de diferença (são 6 da tarde), a semana se cumpre exactamente.

Semana vertiginosa de despaisamento, de tropicalismo, de trabalho insano desde que à Bahia cheguei (passei a tarde inteira fechado no quarto a preparar o relato da tese do Casais, para amanhã pela manhã, que tinha de ser feito agora, pois logo à noite vou ver a Cacilda Becker na Maria Stuart).

É noite. Por entre nuvens, um crepúsculo vermelho que sumiu rápido atrás da imensa ilha de Itaparica que está aqui defronte dentro desta baía sem limites de que a cidade é uma parte mínima. A minha tristeza é imensa. As únicas notícias tuas que até hoje recebi são as que a mulher do Cidade me deu. Só quando estou totalmente exausto te não tenho escrito todos os dias as cartas ou partes de cartas que terás recebido, meu Amor. 

O Urbano levará esta, e por isso nela nada conto de especial senão o ar livre que se respira aqui e sem ti respiro, a amargura de não ter-te a meu lado nesta paz sem limites de uma noite quente e serena, em que saberia bem suarmos juntos. Isto é muito belo, de uma força tropical que se intromete nas ruas, e creio que poderíamos ser aqui, meu Amor e minha Vida, incrivelmente felizes.

Assim, nem sei que possa dizer-te, roído de saudades, sem ouvir nas tuas cartas a tua voz e o teu conselho que são o meu arrimo e a minha consciência, inquieta a todo o instante por uma falta de notícias, que, comunicada, não aflige ninguém, de habituados que estão à fantasia destes correios de cá, em que um telegrama a avisar de uma chegada 3 dias antes, chega depois do avião em que o sujeito vem (aconteceu ao Pedro de Andrade ao ir daqui ao Rio, antes de eu chegar). Depois, com a ida dos Lourenços para a Europa, estou a ver que a minha tortura só terá alívio no Rio, se entretanto carta tua tiver chegado às mãos do António Pedro Rodrigues (aí, como o correio é directo, levará menos tempo a chegar, presumo).

O Casais tem sido muito amigo, e abriu-se comigo, e creio que fui injusto na alucinação dos primeiros dias que não comunicarás a ninguém, de perigosa que é. Mas nada disto importa, senão o silêncio que me rodeia. Eu sei que estás sempre comigo, não só porque és a minha própria alma, como por teres o dom de invisível estares a meu lado sempre em toda a parte. Esse invisível, porém, me assusta. A tua presença, o teu calor, o teu afecto, o teu infinito amor de que os nossos filhos são, graças a Deus, a expressão viva, preciso de tudo isso agarrado a mim, colado a mim, na tua boca, nos teus olhos, no teu corpo que é o mais belo poço de ternura que jamais houve no mundo. Como se é injusto humanamente! Como pode ignorar-se e como só é de um e não poderia ser de mais ninguém (pois não seria assim, nem seria sequer) um tesouro maravilhoso como é a tua pessoa, meu Amor! Eu não tenho desejos senão de ti, e tudo o mais não conta, nem importa. Querida Mécia – é incrível que estejamos separados!

Até ao Rio, não desisto de resolver este problema – o da glória infinita do teu coração batendo ao pé de mim, em mim, e para mim, dos olhos às pontas dos dedos. Meu Amor, estou cansado da vida, tão cansado de ver-te sem paz, acabrunhada de trabalho e de aflições, num buraco sem horizontes como é a nossa vida. Mas nela brilha «uma pequenina luz», a luz do teu amor – como ninguém entendeu que não há mais luzes, que toda a minha «fidelidade» é a ti? Beijo-te com uma profunda saudade, abraço-te com uma dorida ternura, e não me distraio um só momento da tua imagem tutelar, que beijo, beijo, beijo.

Teu do coração

Jorge

Carta de Jorge de Sena a Mécia de Sena. Bahia, 13-08-1959

Correspondência. Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)

21
Ago21

É o próprio ser da humanidade sendo

Não tem nem cor nem forma, que não sejam

as nossas próprias quando humanos somos.

Nela os homens crescem não apenas

sendo crianças não crianças, púberes,

mas homens acordando em corações

já seus, sabendo que outros homens há

em outros corações só por tão pouco

acordando também. É uma maneira,

um jeiro, um doce olhar, um estar presente,

uma invenção, uma conquista como

o ter falado, o fogo, ou a ternura.

É o próprio ser da humanidade sendo

mais lúcida e mais doce, mais humana,

mais uma só em tantos tão dispersos,

mais uma só em tantos mais unidos.

Tudo na vida é negação sem ela,

é surdez ou cegueira, é sono ou morte.

Excerto do poema A Paz

Fidelidade (1958)

in Poesia II de Jorge de Sena

20
Ago21

Da ideia ao gesto ou do fazer ao facto

Tu foges, mas circulas em vazios

vácuos estranhos de alma difundida.

E, quando foges novamente, rios

se despenham tranquilos sobre a vida.

 

E foges sempre; entre rochedos frios

(de coisas que a memória pressentida

em si recolhe) se demoram fios

da linfa límpida por tão perdida.

 

E foges mais, como o vazio estranho

ao difundir-se de alma se difunde.

Ai não que não nas águas se aprofunde

o nítido perfil do teu tamanho!

 

Da ideia ao gesto ou do fazer ao facto,

me foges: não visão, mas corpo intacto.

Excerto do poema Corpo Intacto

Fidelidade (1958)

in Poesia II de Jorge de Sena

Pág. 1/5

Quanto mais leio menos sei
Tudo o que escrevi para o Desafio de Escrita dos Pássaros está aqui!
Já começou a viagem pelo mundo da Gata Borralheira.
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