A obra de Sena é tão vasta que nos questionamos afinal sobre o que ele tanto escreve.
Seria demasiado redutor apontar temas específicos e prefiro repetir o que os seus estudiosos escreveram, que a obra de Jorge de Sena pode e deve ser lida como uma «meditação sobre o destino humano».
Meditação que de certa forma libertava Sena dos seus grilhões terrenos, deixando-o pairar naquele horizonte onde não distinguimos o divino do humano.
Para aonde vamos? De onde viemos? Opostos que não se cansa de questionar e que tenta solucionar, como um quebra-cabeças infantil que para todo o sempre o irá fascinar.
Mas sendo uma das preocupações maiores da sua obra a busca de modos de superação do divórcio existente entre o pensamento e a ação, o conhecer e o fazer, o pensar e o sentir, a cultura e a técnica, o conhecer e o conhecer-se (...)
in O Essencial sobre Jorge de Sena de Jorge Fazenda Lourenço
D. Felisberta não inquiria mentalmente, nem nas falácias a que continuava a entregar-se, o que seria a vida deles, donde vinham, com quem viviam, porque não viviam juntos, porque se encontravam ali, de que viveriam, para onde iam, nada. Era como se, para ela, não tivessem segredos; como se ela vivesse, em cada um, qual testemunha tácita do que não é preciso saber-se, a cada instante, na sequência de instantes que era a sua participação naquelas vidas.
Excerto do conto A Janela da Esquina
in Antigas e Novas Andanças do Demónio (1960 e 1966)
Com o andar do tempo, D. Felisberta fora-se imobilizando na janela da esquina, junto da qual se sentava numa cadeira baixa, cujo assento de palhinha envelhecera com ela, se polira dela, e só dela adquirira o recôncavo ligeiramente aguçado pelas suas nádegas ossudas.
Aí ficava não apenas horas, que as não havia na vida solitária de D. Felisberta, mas o rodar do sol e o mudar das sombras, a passagem de criaturas que nem acabava conhecendo ou esperando que passassem, a chuva que corria para as sarjetas levando papéis e detritos, as janelas que se abriam, as outras que se fechavam, o acender do candeeiro da esquina fronteira, e, para a direita do seu horizonte, o troço de rua sem saída (...)
Excerto do conto A Janela da Esquina
in Antigas e Novas Andanças do Demónio (1960 e 1966)