Há pequenas delícias que Sena deixa escapar nas suas notas. Aliás, se não fossem as suas notas, prefácios e posfácios nunca conseguiria entrar na sua intimidade.
Para Sena tudo era motivo de inspiração e um deles foi o momento em que atravessa a rua em King's Road e que viria a eternizar em poema.
Este poema que foi sentido pelo autor ao atravessar, abertas as luzes verdes, a King's Road, que é o eixo central de Chelsea, em Londres, bairro aonde vivi durante uma estadia britânica em 1957 (bairro que ainda não era o «chique» reles e grã-fino que se tornou), comemora, com a dedicatória, o encontro, a que assisti, dos dois monstros sagrados, o inglês e o brasileiro, creio que no dia em que o poema foi escrito.
Esse encontro narrei-o algures, num artigo. Edith Sitwell já eu conhecera antes, em anterior visita à Inglaterra. Manuel Bandeira, com quem tinha correspondência e troca de livros, havia anos, e com quem vim a conviver bastante no Rio de Janeiro, nos anos 1959-65 (desde que cheguei e até que saí do Brasil), conheci-o nessa minha estada que coincidiu com a presença de Bandeira na Europa, e em Londres aonde chegámos com poucos ou creio que um dia de diferença.
Porque entre vários passeios o levei a ver a Abadia de Westminster, e por acaso fomos interrompidos no caminho pela pomposa passagem da Rainha que ia presidir à abertura solene do Parlamento ou coisa parecida, Manuel celebrou a visita à catedral, a passagem de Isabel II por diante de nós, e a nossa coincidência londrina numa bela crónica, Eu vi a Rainha.
Neste quase final de Verão quero escrever futilmente sobre o nada e o vazio em que caí ao adormecer de frente para o mar, dos cabelos despenteados que recusaram o pente e a escova, da pele salgada e rebelde de sol e areia, dos meus olhos que se inundaram de marés.
Queria lá ficar onde estive, naquele estado de irresponsabilidade fingida, de despreocupação e esquecimento pelo mundo.
Notícias houvesse e ignorava-as uma por uma, histórias fictícias de um livro que recusava ler. Deixei-as ficar naquele limbo onde nada acontece, por isso neste final do mês não comentarei absolutamente nada que não seja o mar e o sol.