- Então, aconselha-me a que lhe encoste uma faca na garganta?
- Exactamente, e de maneira a que a sua mãozinha fique o mais perto dos lábios dele. Assim, ele vai beijar-lhe a mãozinha, e tudo acaba da melhor das maneiras - respondeu Vrônski.
O Porto foi marcante para Jorge de Sena e ele próprio nunca o poderia negar perante as evidências que contribuíram para o seu destino.
Foi também lá, em 1940, que conhece e torna-se amigo de Mécia, irmã de Óscar Lopes famoso crítico e historiador literário. Namoraram cinco anos e casaram até que a morte os separou.
Tiveram nove filhos e Mécia foi sempre incansável e enérgica, apoiando Sena nas inúmeras crises que teve de enfrentar ao longo de uma vida atribulada.
Combativa, nunca foi a mulher por detrás do poeta, pelo contrário, manteve-se sempre ao seu lado, muitas vezes antecipando e prevendo as necessidades da genialidade que habitava o grande amor da sua vida.
Estou a ler o livro Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965) com organização de Maria Otília Pereira Lage, que me tem permitido mergulhar, de certa forma, na intimidade de Mécia e Jorge de Sena.
As cartas entre eles, para além de nos permitir um voyeurismo atrevido de aspectos íntimos do casal, também nos dá a conhecer episódios e acontecimentos de uma época aprisionada pela censura.
São cartas cheias de amor, mas também de muita angústia, de muita distância. Algumas extraviadas, outras tantas atrasadas são mais do que um «diário a quatro mãos».
Vasco Graça Moura deixou-nos um dos melhores testemunhos como leitor deste livro:
Jorge e Mécia têm uma maneira de falar do amor que os une da maneira mais surpreendente e mais frequente. Não há carta em que um ou mais parágrafos não exprimam toda a gama de sentimentos amorosos, da saudade intensa ao desejo, sem rodeios sem timidez, sem invocações do transcendente, antes como simples e fortíssima pulsão humana. O real, a vida prática, o pragmatismo das situações atravessadas, entrelaçam-se assim com um monumento ao amor entre dois seres humanos que o vivem em cada momento das suas vidas, apesar de tantas léguas e tanto tempo posto a conseguir enfim atravessá-las.
Se o exílio de Jorge de Sena, iniciado no Brasil por 16 anos e rematado por mais 13 anos não tivesse servido para mais nada, se a sua obra torrencial não constituísse um legado incomparável para as gerações futuras, bastaria esta troca de cartas para podermos classificar este livro como um dos momentos mais altos da epistolografia portuguesa.