Que gente burra. Não sabem nada, não sonham a que ponto nos queremos, nem sequer nunca lhes passou, por partículas de segundo, na mente, como de facto tenho sofrido por ti. Nunca compreenderiam que tenho sofrido sempre com esperança e que, possivelmente, a certeza de que precisas de mim, de que só apoiado em mim te libertarás de ti próprio, me faz querer- te mais, com mais forte amor, com mais ternura, com mais intimidade, se é legítimo dizer-se. E também nunca saberão quanto te sou grata por teres feito de mim uma mulher que ama, que deseja e que sabe o que é sentir o prazer de ser possuída e de se entregar até ao fundo mais fundo de si.
Mas como explicar? E para quê? Pudesse a minha boca procurar a tua e não mais pensaria em nada. Ser a minha vida preocupação para alguém quando eu, eu que sou mãe, só desejo que meus filhos encontrem quem com eles faça uma vida só, como nós dois fazemos. A maior e única amargura da minha vida é pensar que a morte ou até a vida nos separe alguma vez. É uma amargura que me advém afinal, e por paradoxal que pareça, de tanto te querer. (...)
Tua sempre, meu amor, Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Após a publicação da antologia Poesia I, II e III estava planeado um novo livro - Poesia IV -, mas tal acabou por não acontecer durante a vida do autor.
Mécia de Sena organizou esta belíssima antologia póstuma, mantendo não só o título escolhido pelo autor, mas também muitas das indicações que deixara em vida.
A leitura desta antologia não dispensa a leitura dos restantes livros de poesia de Jorge de Sena, mas para quem quer conhecer o poeta num só livro, o livro a ler será este: 40 Anos de Servidão, título que designaria os seus 40 anos de servidão poética.