A obediência cega espalhada por todas estas páginas é claustrofóbica. Uma vez mais se repete neste conto O «Bom Pastor», apesar da fragilidade, da injustiça, a compaixão não cabe nos regulamentos.
Os regulamentos são seguidos à risca, mesmo que não façam sentido perante a condição humana.
(...) e atravessavam para a entrada onde a sentinela, com a superioridade do soldado «pronto», se seguia numa displicência de olhar, em que havia desprezo, piedade, desejo de repetida transmissão das humilhações que em recruta sofrera, e consciência de que aprendera da vida, naqueles seus tempos de cidade, muito mais que nem todos os da cidade sabiam.
O mundo em que vivemos tende naturalmente para a degradação e a vileza, e não pode, sem elas, ser descrito, sob pena de pactuarmos, traindo a vida e a arte, com os «bem-pensantes», promotores de todas as tiranias.
Jorge de Sena
Das páginas d'Os Grão-Capitães liberta-se uma nuvem de desprezo, quer das personagens perante as condições humanas em que vivem mergulhados, quer pelo autor como observador participativo das circunstâncias que observa e/ou vive. É peculiar como a miséria destas páginas, ao impregnar-se na aura de quem a vive, se vai transformando numa espécie de indiferença desprezível pelo mundo.
A parada do quartel do Bom Pastor, tal como a entrada, era um tumulto de pequenos grupos atarantados, que iam chegando, se desfaziam, se formavam, e de entre os quais vultos trocavam apelos de reconhecimento, ou, numa alegria nervosa e expectante, insultos e piadas grosseiras que gestos obscenos sublinhavam.
Já aquitinha comentado que o meu interesse pela filosofia tem aumentado nestes últimos anos, especialmente pelo estoicismo, a que mais tem influenciado a minha perspectiva humana do mundo.
Mas esta admiração determinará, espero, o olhar do teu ânimo sempre ávido de saber, não tanto pelo facto de julgares aqui inserido algo de desconhecido antes, mas mais pela audácia com que sou levado a tratar da douta ignorância.
in A Douta Ignorância de Nicolau de Cusa
(Tradução, introdução e notas de João Maria André)
Assim, toda a investigação consiste numa proporção comparativa fácil ou difícil. É por isso que o infinito como infinito, porque escapa a qualquer proporção, é desconhecido.
A proporção, exprimindo simultaneamente acordo por um lado e alteridade por outro, não pode ser entendida sem o número.
O número inclui, pois, todas as coisas susceptíveis de proporção. Portanto, o número não está apenas no âmbito da quantidade, ele que cria proporção, mas em rodas as coisas que, de qualquer modo, possam concordar ou diferir em substância ou em acidente. Talvez por isso, Pitágoras considerava que todas as coisas eram constituídas e entendidas pela força dos do números.
in A Douta Ignorância de Nicolau de Cusa
(Tradução, introdução e notas de João Maria André)