Mário de Andrade sofreu muito com o preconceito por ser homossexual.
Naquele tempo o autor não o reconheceu publicamente devido às pressões sociais de uma cultura conservadora, mas viria a confessá-lo numa carta escrita ao seu amigo Manuel Bandeira:
(...) Está claro que eu nunca falei a você sobre o que se fala de mim e não desminto. Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria pra nós ambos, pra você, ou pra mim, comentarmos e elucidar você sobre a minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Em nada.
Valia de alguma coisa eu mostrar o muito de exagero nessas contínuas conversas sociais? Não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais. Pra você me defender dos outros? Não adiantava nada pra mim porque em toda vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão absolutamente desprezível duma verdade inicial.
Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo pra minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu há de tê-lo bem catalogado e especificado, há de ter tudo normalizado em si, si é que posso me servir de “normalizar” neste caso.
(...) Eis aí uns pensamentos jogados no papel sem conclusão nem sequencia, faça deles o que quiser.
Em que medida é que as suas obrigações de chefe de uma família numerosa têm estimulado ou comprometido a sua produção literária?
Muita gente neste mundo tem sido pai de nove filhos ou mais, ou tem sido formado em engenharia e sido escritor, sem que isso constitua motivo de espanto.
Parece que, comigo, não é assim. Talvez que a razão esteja em que, nos meus trinta anos de escritor, eu escrevi muitíssimo - e as pessoas, na sua maioria menos velozes ou mais preguiçosas do que eu, não entendem como é que eu sempre tive tempo para tudo.
Tive até tempo para muitas mais coisas. Mas, quanto às obrigações de chefe de família, em si mesmas, há duas maneiras de entendê-las: em que medida tive de trabalhar mais do que os outros, proporcionalmente, para sustentar a dita cuja família, e em que medida tive de dedicar tempo à educação dos meus filhos.
(...)
Em Portugal, trabalhando como funcionário público, com obrigações de horário (de que, diga-se a verdade, nem sempre fui muito respeitador), e com obrigações de deslocação pelo país (a que devi, durante quinze anos, o ficar a conhecer Portugal como poucos o conhecerão, porque poucos terão usado de uma tal oportunidade com as preocupações de vê-lo culturalmente, que eu tive), e ainda como director literário de uma editorial, eu era praticamente um escritor nocturno e de fim-de-semana.
Excerto da entrevista O Tempo e o Modo, Lisboa, n.º 59, Abril de 1968
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
Mário de Andrade foi um homem cheio de inquietude. Tanto que para além de querer aprender tudo o que houvesse para aprender, também quis mudar algo no mundo à sua maneira.
Como tal participou em políticas públicas, especialmente enquanto foi responsável pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo, onde esteve à frente de projetos para a Biblioteca Municipal (agora chamada de Biblioteca Mário de Andrade), a Discoteca Pública e parques da cidade.
Criou também a proposta que fundaria o Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, que mais tarde se tornou num instituto autárquico de preservação patrimonial do Ministério da Cultura.
Em 1938, chegou também a assumir a direcção do Instituto de Artes da actual Universidade Estadual do Rio de Janeiro.