(...) A minha vida e não só ela, como eu próprio, não tem sentido senão em função de ti.
Por ti e para ti, pelo teu amor eu vivo, ou nada valeria para mim – esta é que é a verdade.
És a minha consciência, o meu gosto de viver, a minha dignidade, tudo o que vale a pena. Sem ti, eu faria talvez poemas, e nada mais. Mas fá-los-ia? Acharia que valia a pena fazê-los? Ou apenas sonambulamente vaguearia? Oh meu amor, minha vida que tu és.(...)
Beijos, beijos e saudades do teu que te aperta contra o coração
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Hoje, pela manhã, surgiram-me vários fragmentos de versos ou versos inteiros, que se me organizaram num poema e num soneto, que espero seja o primeiro da sequência por que anseio há tanto. Julgo-os do melhor que tenho feito, e satisfazem-me em comparação com o que, e raramente, andava fazendo.
Hoje nevou esplendorosamente em Lisboa, como creio nunca chegara a acontecer. Efeitos de terem levantado um pouco a "Cortina de Ferro" em Berlim... não há dúvida... Veio logo este ar de Sibéria, que dá a Lisboa e à serra de Monsanto ares de grande Europa. Mas a serra, onde o Edgar Cardoso me levou e a outros para ver a neve, era realmente um magnífico espectáculo.
Escrevi longamente ao Ramos Rosa, a quem devia duas cartas.
Disse-lhe: Quanto a essa inocência que me diz ter perdido politicamente, que perdê-la seja por si só um mal, não creio. Em sentido restrito, em tudo como no amor, é preciso começar por perdê-la. Mas não superar esta perda, isso, sim, que é um mal: análogo ao do adolescente que faz a sua virtude do horror que lhe causaram as primeiras experiências do amor. O que, manifestamente, não é virtude nenhuma.
Eu tenho para mim que o nosso dever de intelectuais é compreender até que ponto as coisas são mais e insubstituivelmente como são.
As ideias são pensadas e vividas por seres humanos, que não julgo defeituosos senão na medida em que considero a humanidade um defeito completo.
O primeiro livro dele que li deve ter sido Primeiro Andar, comprado na excelente livraria da cidade, Vida Social, que além dos clássicos e das novidades, além de obras em francês e inglês, tinha essa coisa rara: alguns livros dos modernistas, sempre editados em pequenas tiragens e muito mal distribuídos.
Foi a única livraria em toda a minha vida onde vi Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, cuja edição quase secreta foi de 500 exemplares. Em 1938, já em São Paulo, li Macunaíma. Em 1939 e 1940 li os outros livros de Mário.
Só em 1940 vim a conhecê-lo pessoalmente, numa visita que lhe fizemos Décio de Almeida Prado, Paulo Emilio Salles Gomes e eu.
A partir dali tivemos relações cordiais mas meio cerimoniosas, embora nos víssemos com certa freqüência, inclusive porque São Paulo era menor, com pouco mais de um milhão de habitantes e toda a gente se cruzava nas poucas exposições, livrarias e espetáculos.
Eu sou um escritor difícil Que a muita gente enquizila, Porém essa culpa é fácil De se acabar duma vez: É só tirar a cortina Que entra luz nesta escurez.