(...) São quatro horas, já passa, e vou sair para deitar-te esta carta no Correio Geral, único sítio em S. Paulo onde se pode deitar uma carta, pois os marcos são raros e não funcionam, e é urgente que a recebas.
Não estou nada melhor da gripe, mas ainda bem que a tive aqui, e não no Rio, onde, se eu ficasse estendido em casa, ninguém daria por isso, nem os amigos que me suporiam partido para cá, sem dar notícia, à brasileira. Não me posso conter de ansiedade em ver-te arrancada daí e às crianças. Logo me sentirei menos só, menos triste, menos angustiado. Que saudades, meu Amor, que vida a nossa! Quantos são bestas e felizes! Nada lhes falta, fazem o que querem e cresce-lhes o tempo! (...)
Beijos, beijos e saudades do teu que te aperta contra o coração
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Fui com a Isabelinha ver a Carochinha, ontem, ao Nacional, que transbordava de crianças. A peça é uma melancólica operetinha de há decénios, muito envelhecida e muito mal representada, atabalhoadamente. Que falta de consideração pela própria dignidade e pela dignidade das crianças.
Pela manhã, fui votar pela primeira vez na minha vida - apenas para fazer o número que será necessário falsificar a esta tropa fandanga... para ganharem, ora essa! Imensa gente, silenciosa, com o sobrescrito da U.N. na mão, mas com cara de quem lá levava outra lista.
Érico Veríssimo veio de uma família abastada arruinada. Filho de um farmacêutico - Sebastião Veríssimo da Fonseca - e de uma dona de casa - Abegahy Lopes - tinha um irmão mais novo Ênio e uma irmã adoptiva, Maria
Quando tinha quatro anos, Érico Veríssimo ficou gravemente doente e, após ser levado a vários médicos, descobriram que estava doente commeningiteebroncopneumonia, tendo sido salvo pelo médico que o diagnosticou.
Acontece ainda que as cidades, como as pessoas, estão sujeitas também a mudanças de «estado de espírito», de acordo com as horas do dia, as estações, anos, as condições atmosféricas.
Chego a Boston numa clara tarde de domingo. Ela recebe-me com a polidez fria e distante dum aristocrata. E, sem rancor nem timidez, procuro vê-la, não apenas com os olhos da minha câmara cinematográfica, nem com os do meu corpo mortal. Contemplo-a também com a memória, através de coisas lidas, ouvidas ou sonhadas. Olho-a com a imaginação, com a fantasia, pela janela dum poema ou através da névoa duma lembrança.
As cidades são para mim como pessoas. Não sei vê-las apenas em termos de pedras, árvores, veículos, objectos. É preciso que eu lhes descubra a alma, imagine que elas me estão falando, contando como são, como foram.
Sinto logo ao vê-las se me acolhem, repelem ou permanecem indiferentes. Porque as cidades têm memória e nervos, um coração que pulsa e um sangue quente a correr-lhes nas veias.