Um dos seus hábitos mais constantes era ir, geralmente à noite, tomar chope no Bar Franciscano, que ficava na Rua Líbero Badaró perto de uma esquina da Avenida São João, com fundo envidraçado sobre o Vale do Anhangabaú.
Sentava numa mesa redonda de canto, perto do balcão, e ia consumindo sucessivas "pedras", que são canecas grandes de louça clara. Os amigos sabiam que podiam encontrá-lo no Franciscano e ele costumava marcar encontros lá, por vezes à tarde.
Foi de tarde que me convocou uma vez para conhecer João Alphonsus, que estava de passagem e me pareceu de pouca fala. Outra tarde de 1942 fui conhecer Fernando Sabino, que ainda não tinha vinte anos e já publicara um livro de contos: Os grilos não cantam mais. Ele e Mário admiravam os romances de Otávio de Faria, de certo porque estes abordavam problemas da adolescência católica que lembravam os deles.
Me sinto recompensado por ter escrito esta épica. Mas lavro o meu protesto contra os crimes que me deixaram assim imperfeito. Não das minhas imperfeições naturais. Mas de imperfeições voluntárias, conscientes, lúcidas, que mentem no que verdadeiramente eu sou.
“Brincando de viajar” e ao escrever sobre o seu eu que viaja (sonhava desde jovem com viagens ainda em Cruz Alta, por trás do balcão da farmácia), Érico tenta mapear os Estados Unidos na “primeira viagem do gato preto” e apresentar ao leitor brasileiro sua visão panorâmica do país.
Ao “exilar-se voluntariamente” na Califórnia, incorpora ao relato toda a tensão causada pelo envolvimento do país ianque na Segunda Guerra Mundial e seus diálogos (presentes em todos os relatos) com os norte-americanos tentam desmitificar os estereótipos de Hollywood, valorizar o aspecto humano e aproximar um pouco a cultura brasileira ao universo acadêmico norte-americano em missão docente.
Espécie de “embaixador cultural” da América Latina em Washington reencontra o romancista em hibernação ao buscar semelhanças com o Brasil na paisagem do México.
in Os olhos do gato: o narrador de viagens Érico Veríssimo por Anita de Moraes
O comandante deixa o avião. Os passageiros começam a desembarcar. Chega a nossa vez. Saímos do ventre do gafanhoto para entrar nas entranhas dum forno.
Este é um grande momento. Tontos, suarentos, meio bisonhos, mas felizes, pisamos o chão da Flórida. E de mãos dadas seguimos em silêncio os outros passageiros.
São seis da tarde de 7 de setembro de 1943. Voamos sobre o mar a uns mil metros de altura, e já avistamos terra. É o fim da viagem, mas para nós bem pode ser também o fim de tudo, pois uma tremenda tempestade está prestes a desencadear-se. Visto através da janelinha do avião, o mundo é um quadro lúgubre pintado em tons de sépia, negro e medo. Nuvens descomunais, pesadas e escuras, cobrem o céu.
(...)
Lembro-me de um dramalhão que li ou vi quando adolescente — As órfãs da tempestade. Sim, nós somos os órfãos da tempestade. Estamos à mercê dos ventos e da sorte, desligados da terra e das outras criaturas...
Para quem quer viajar sem sair de lugar e adorar cada momento como se fosse seu, tem de ler este livro de Érico Veríssimo.
Em todas as páginas sentimos que estamos ali, ao seu lado, a ver, a sentir as mesmas paisagens, as mesmas pessoas.
Em tempos de tanta intolerância vale a pena ler este livro onde se pratica a tolerência, a ponderação, o bom senso perante a diferença cultural.
Érico Veríssimo confessou em carta a Richard Pattee sobre a repercussão do seu livro:
A primeira tiragem de 10.000 exemplares esgotou-se em menos de trinta dias. A segunda tiragem está à venda. Esperamos ir além de 30.000. Creio que – no que diz respeito à essência do livro – atingiu o alvo [...] Fui bastante sincero no rápido retrato que tracei desse país. Creio que o livro impressionou pelo seu tom de franqueza.