O rei que posso nunca vir a ser

Já era rei, o rei que ainda não sou,

o rei que posso nunca vir a ser,

o rei que não mereço ou... - Santo Deus! - 

lugar para o Destino, se el' quisesse

vir, bruscamente, repousar em mim.

in O Indesejado de Jorge de Sena

De muito longa data me apaixonou a figura infeliz, estranha e maltratada, do Prior do Crato

Comecei a ler a peça de teatro O Indesejado de Jorge de Sena que se foca em D. António, Prior do Crato, mais conhecido pelo cognome de o Prior do Crato, um dos pretendentes ao trono português durante a crise sucessória de 1580. 

A peça centra-se nos eventos históricos em que D. António toma a liderança de um dos partidos nacionais que se opõe à unificação de Portugal e Espanha, quando a independência portuguesa estava cada vez mais ameaçada pelos espanhóis.

Com a morte do cardeal D. Henrique, seu velho tio, que sucedeu a D. Sebastião, D. António declara-se pretendente à Coroa, mas não tem tropas nem dinheiro para impedir a invasão castelhana. 

Transforma a ilha Terceira, nos Açores no seu refúgio e, até ao fim, faz resistência aos castelhanos, mas não conseguiria libertar Portugal, que ficaria nas mãos dos Filipes durante sessenta anos. 

Jorge de Sena em posfácio revela o porquê de ter escrito sobre esta figura histórica:

De muito longa data me apaixonou a figura infeliz, estranha e maltratada, do Prior do Crato. Quando principiei a escrever esta peça, não estava ainda em moda a reabilitação dessa figura, embora houvesse meritórias obras, que com muito proveito consultei, para inventar a complexa personalidade de um rei que terá encarnado, senão o destino contraditório da sua pátria, pelo menos pode imaginar-se que a lucidez desse mesmo destino. Foi exactamente por aí que comecei.

E já nos afastamos com palavras

- Ainda não sei o dia da partida,

e já nos afastamos com palavras.

in O Indesejado de Jorge de Sena

Não se escolhem os pais para nascer

Não se escolhem os pais para nascer;

e, muito menos, mães: são destinadas.

in O Indesejado de Jorge de Sena

As mães não envelhecem, meu senhor

As mães não envelhecem, meu senhor;

só a mulher que há nelas envelhece.

in O Indesejado de Jorge de Sena

Sinais de Fogo e a Guerra Civil Espanhola

A narrativa de Sinais de Fogo situa-se temporalmente durante a Guerra Civil Espanhola e Sena serve-se desse evento para explorar, não só as reacções dos portugueses ao conflito do país vizinho, mas também os estereótipos que mantinham sobre os espanhóis. 

O livro parte do microcosmos social que se concentra na Figueira da Foz para descrever criticamente a sociedade portuguesa da época - pessoas, mentalidades e comportamentos - retratando em simultâneo as percepções populares sobre nuestros hermanos.

Na Figueira da Foz de 1936 havia mais refugiados espanhóis do que veraneantes. Os militares espanhóis revoltaram-se contra o governo republicano dando o primeiro tiro de uma guerra civil que iria durar até 1939. Apoiantes de esquerda e de direita degladiaram-se durante vários meses nas ruas, havendo registos de rebeliões e assassinatos em vários pontos de Espanha. Franco sairia vitorioso desta guerra que causou mais de meio milhão de mortos.

Dei-te tudo. Não tenho mais nada.

Deitados nus, na cama, lado a lado, ela, com a cabeça pousada no meu peito, teimara em contar-me tudo. Um tudo que eu não quisera ouvir, e que não deixara ter nexo, porque, com os dedos no cabelo dela, lhe afogava as palavras contra a minha pele, em beijos que subiam até à boca. E ela, soerguendo-se um pouco, dissera: - Dei-te tudo. Não tenho mais nada.

in Sinais de Fogo de Jorge de Sena

Toda a gente, Don Justino, é capaz de sofrer

- Toda a gente, Don Justino, é capaz de sofrer. Uma pessoa frívola, e sua esposa não é frívola, pode sofrer pelas suas frivolidades. Uma pessoa de grande consciência e grande sentimento de honra pode sofrer pela honra. Uma pessoa abnegada sofre pelos outros. Uma pessoa egoísta sofre de que nem todos se curvem aos seus caprichos.

in Sinais de Fogo de Jorge de Sena