Mas eu penso que devemos enfrentar a verdade; e, se não temos coragem de enfrentá-la, porque nos faria sofrer muito no mais fundo de nós outros, ao menos devemos alimentar uma grande dúvida sobre as razões que nos cumprem, para não fazermos sofrer os outros.
Continuo a navegar pelas páginas de Poesias Completas - Volume II, onde, num dos capítulos, Mário de Andrade comenta pelo seu próprio punho o processo de criação de Café.
Quando os autores escrevem sobre as suas próprias obras é interessante efectuar um paralelismo com a crítica. Geralmente esse paralelismo resulta numa concordância em discordar de ambas as perspectivas.
Mário de Andrade foi um autor profundamente autocrítico, que deambulou demasiado pela fronteira da sua própria anulação. Talvez por isso gostasse de reflectir sobre o que escrevia, procurando de alguma forma a validação da sua obra:
Não se poderia acaso tentar uma ópera coletiva tendo como base do assunto o café?... Esta foi a pergunta inicial que em seus dois elementos teve imediato duas respostas em mim.
Ópera “coletiva” teve uma resposta, além de social, estética e artística, que será talvez a originalidade mais essencial do meu trabalho. Não se tratava apenas de fazer uma ópera que interessasse coletivamente a uma sociedade, mas que tivesse uma forma, uma técnica mesma derivada do conceito de coletividade. Uma ópera coral, adivinhei. Um melodrama que em vez de indivíduos, lidasse com massas, em vez dos solistas virtuosísticos que foram sempre a morte do valor social da arte, convertidos a semideuses de culto na Grécia como a semideuses de ouro em nossos dias: em vez de solistas, coros, personagens corais, corais solistas. Enfim, uma ópera inteira, exclusivamente coral.
Quanto ao assunto do café, a própria história mais recente do grande comércio paulista se impunha como lição. A crise de 1929, a revolução de 30. Está claro que desde logo afastei qualquer ideia de cantar historicamente uma revolução determinada. O que me importou foi o princípio geral: em toda a fase em que se dá depreciação de uma base econômica, vem a insatisfação pública que acaba se revoltando e mudando o regime.
Tanta lágrima hei já, senhora minha, Derramado dos olhos sofredores, Que se foram com elas meus ardores E a ânsia de amar que de teus dons me vinha.
Todo o pranto chorei. Todo o que eu tinha, Caiu-me ao peito cheio de esplendores, E em vez de aí formar terras melhores, Tornou minha alma sáfara e maninha.
E foi tal o chorar por mim vertido, E tais as dores, tantas as tristezas Que me arrancou do peito vossa graça,
Que de muito perder, tudo hei perdido! Não vejo mais surpresas nas surpresas E nem chorar sei mais, por mor desgraça!
Poema Soneto - Poesias Inéditas e Esparsas
in Poesias Completas II (1941) de Mário de Andrade
O ano está quase a chegar ao fim e estou já com dificuldades em ter tempo para terminar o ciclo de leitura de Jorge de Sena.
Estou a equacionar seriamente dedicar-me em exclusivo à leitura dos livros que me restam dele para terminar o ciclo de leitura ainda este ano.
Entretanto estou a terminar o planeamento do meu ciclo de leitura para 2023 que exigiu bastante do meu tempo e que irei revelar brevemente.
Como estou, então, de leituras?
De Jorge de Sena:
continuo a ler Sinais de Fogo e tem sido uma experiência agradavelmente inesperada, considerando que foi o único romance que o autor escreveu, apesar de inacabado.
continuo a ler Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
na calha para ler: O Indesejado, Monte Cativo e Outras Ficções e Correspondência - Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena.
De Mário de Andrade:
acabei de ler Poesias Completas I
comecei a ler Poesias Completas II, com poemas inéditos
De Vinicius de Moraes:
retomei a leitura de Forma e Exegese
De Érico Veríssimo:
acabei de ler Gato Preto em Campo de Neve
comecei a ler A Volta do Gato Preto, a viagem de regresso de Érico Veríssimo aos Estados Unidos, mas desta vez em família.
No silêncio que se estabeleceu, eu disse: - E mesmo a solidão, a gente pode senti-la sem razão, sem saber porquê. Como uma espécie de vazio à nossa volta, ou uma falta de sentido das coisas que nos acontecem a nós ou que a gente vê acontecer.
- Soledad, em castelhano, equivale a «solidão» em português. E a saudade é uma coisa que se pode sentir dentro da gente, mesmo que haja muitas pessoas à nossa volta.