Feliz Ano Novo!
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A instabilidade externa pontua a agitação íntima numa metamorfose, que antecipa e justifica a profunda alteração das circunstâncias do mundo.
Daí a preocupação de Jorge de Sena, como romancista, distanciado no tempo, em misturar propositadamente a realidade e o sonho, o conjunto e a singularidade…
E assistimos assim à sucessão de uma guerra e de um armistício entre Jorge, o protagonista, e as suas memórias, quando o país e o mundo mudam intensamente. E os anos trinta anunciam com nitidez esse contraste entre a ilusória placidez interna de um Portugal ameaçado, mas incrédulo, e a proximidade de uma grande tragédia que, como sabemos, vai ser global, sem se conhecer se seríamos também envolvidos no drama anunciado.
De qualquer modo, avista-se no horizonte o negrume da morte… O certo é que “a imprevisibilidade não era senão o sinal de que o maior horror da responsabilidade estava em não poder haver responsabilidade alguma”. E, ao cair do pano, com a ameaça irónica de uma intentona sem sucesso, vislumbramos a estranha contradição entre o medo e a angústia das tragédias imprevisíveis. E é a própria responsabilidade que se desvanece, perante a negação da liberdade.
in CNC por Guilherme d’Oliveira Martins
O espantoso e o monstruoso não podem, porém, ser-nos habituais, nem a experiência da vida pode ser feita de experiências incomuns.
Mas que as experiências nos dêem o conhecimento de que os limites do possível não são os do provável ou do previsível, eis o que nos daria consciência de que a própria vida é, ou pode ser, a qualquer instante, um furacão que arrasta para o seu torvelinho criaturas inocentes e desprevenidas, que larga, com a mesma indiferença, num estendal de cadáveres e de detritos, espantados de se verem juntos.
in Sinais de Fogo de Jorge de Sena
Que as vidas fossem imaginadas não alterava nada, e antes pelo contrário, ao valor do que eles dissessem: como podia eu conceber a realidade, sem ser capaz de imaginá-la?
Qualquer realidade não-imaginada seria sempre menos que realidade. Tudo o que me acontecera ou acontecera comigo estivera todavia fora do imaginável - sim, mas na aparência só.
in Sinais de Fogo de Jorge de Sena
E, se eu não sabia nada de versos, nem particularmente apreciava «poesia», por que haviam eles de acontecer-me a mim?
Ter escrito aquilo não me dava satisfação alguma. Pelo contrário, despertava-me uma sensação de perplexidade, como se uma nova responsabilidade, que eu não solicitara a mim mesmo, estivesse a formar-se na minha consciência: a de escrever quando sentisse aquela expectativa ansiosa a brotar de um vazio, e a de supor ou forçar a suposição de que aquilo significava alguma coisa para mim ou para os outros.
in Sinais de Fogo de Jorge de Sena
A poesia, os sentimentos íntimos, a consciência política, tudo emerge num torvelinho de acontecimentos.
E é um poeta que vai nascendo…
“Poeta, para mim, como para a minha família, e para os meus amigos, era uma pessoa algo caricata, segregada da normalidade da vida, e que se instalava na personalidade romântica de falar por conta própria ou dos outros, como se o que ele dissesse fosse da mais alta e especial transcendência, não o sendo realmente para ninguém a não ser em ocasiões muito especiais”.
Como diz Jorge Fazenda Lourenço: “Sinais de Fogo seria uma longa meditação sobre o caminho que vai do instante de se ‘ter nascido poeta’ (por Graça) ao momento de ‘reconhecer-se poeta’ (por Obra)” (“Relâmpago”, nº 21, outubro de 2007). E esse percurso, neste romance de formação, acompanha o drama violento da Guerra de Espanha e descreve a evolução difícil do desenvolvimento espiritual, do desabrochamento sentimental, da aprendizagem humana e social.
in CNC por Guilherme d’Oliveira Martins
Fiquei olhando para o papel em que as linhas ondulavam de precipitadamente escritas. Mas não me demorava a lê-las, na intenção de compreendê-las. Para mim eram perfeitamente compreensíveis, independentemente do que diziam.
in Sinais de Fogo de Jorge de Sena
Na concreção que se formava, a ansiedade tornava-se mais febril, mais exigente, mais confiada de si mesma, e era como se eu, não sabendo de mim, não desejando nada, não pensando em nada, nunca me tivesse sentido tão duramente lúcido.
in Sinais de Fogo de Jorge de Sena
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