Sem pensar, pensei que, entre o inferno que eu visitara e a terra a que voltara, eu não tinha escolha possível quanto à realidade de ambos os mundos: a negação de um não era a realidade do outro.
O ambiente político da guerra e de um regime policial recém-implantado constitui a base da ação – num romance de formação marcado pelo acordar dos sentimentos mais íntimos de um adolescente... E o protagonista interroga-se:
«Era eu diferente dos outros? Estivera, desde sempre, destinado a sê-lo? Ou um conjunto de circunstâncias excessivamente extravagantes me transformara o suficiente para isso? Mas, se as circunstâncias haviam podido ter um tal resultado, não seria porque já eu estava destinado à diferença (que poderia dar-se ou não dar-se) de um conjunto delas agir sobre mim? Eu não queria ser diferente dos outros em nada, e não me sentia diferente. Pelo contrário, o que eu descobrira, ou descobria, é que todos são diferentes, desde que a hora ou o momento surjam.»
Não me sentia, porém, doente, nem sabia se estava vivo ou morto, nem isso tinha importância. Mesmo o dizer que eu «estava» não é exacto, porque, na suspensão de ser, que era a minha, o «estar» não tinha sentido algum.
O mais curioso de tudo, pensava eu, era o silêncio das vozes: não havia vozes no quarto, nem na memória, nem na minha mesma fala. Quando, distraidamente, me dei conta disto e senti a curiosidade de verificar aquele curioso silêncio, era como se eu tivesse desaprendido de ouvir, de falar, ou de rememorar, como sons ou como figuras, as palavras.
Em certos momentos, eu adormecia, e era como se ficasse acordado numa espertina tão viva, que a noite ou o dia me pareciam solidões intermináveis; noutros, eu estava acordado, e tudo à minha volta mergulhava numa sonolência que anulava todas as formas e todos os contrastes.
Nota-se na sua obra crítica precisamente uma nova visão de realidade cultural que é necessário redescobrir e analisar em termos diferentes. Considera-se isolado nesse caminho ou, pelo contrário, há já outros nomes que o seguem?
(...) O problema que se coloca hoje à cultura é este: nós não precisamos de pessoas que tenham ideias sobre o que se passou no passado. Nós precisamos de pessoas que investiguem o que é que o passado foi.
(...) Temos opiniões sobre tudo, antes de sabermos o que as coisas são, e isto por falta, sobretudo, de formação. Falta de formação metodológica e sistemática de trabalho. Fomos demasiadamente um povo de amadores em tudo.
Excerto da entrevista Vida Mundial, Lisboa, 7 de Março de 1969 por Fernando da Costa
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
(...) mas lembra-te sempre que nós os reis não podemos amar intensamente os amores humanos... o nosso coração deve ser ôco para nele caber o povo todo...
inMonte Cativo e Outros Projectos de Ficção de Jorge de Sena
O velho rei João adoeceu naquele Inverno terrível em que as águas do Sirvar cresceram tanto e tão impetuosas que o cais dos pescadores foi levado na corrente. E a sua doença não tinha cura - era velhice.
inMonte Cativo e Outros Projectos de Ficção de Jorge de Sena