Ali estava eu, para todos os efeitos transformado em poeta, por obra e graça... Ora bolas.
Por aquele andar, nem o tempo nem as palavras me chegariam. Gastaria tudo a vagabundear com papéis no bolso, e sempre entregue à expectativa de, como de um subterrâneo de alquimista, detentor da pedra filosofal (uma pedra filosofal que, em vez de fazer ouro com metais ignóbeis, abstraísse palavras da merda da vida), subissem à consciência os refinamentos quintessenciados de acontecimentos e experiências que, medíocres ou não, mudavam de pele em mim, como de planeta.
Ainda outras vezes, como por exemplo, na Graça, na Estrela, nas Amoreiras, ou na Costa do Castelo para Alfama, a atmosfera mantinha-se, mas mais palpitante, como quando, ao silêncio que só os passos cortavam, se sobrepunha no ar um eco de vozes, de gritos longínquos, de burburinho feito da agitação tranquila em muitas ruas diversas.
Mas, ainda que em lugares mais vetustos, mais pitorescos, mais sujos de passado, eu pudesse ter sentido mais fortemente ou mais sugestivamente uma atmosfera assim, talvez que nunca antes me penetrasse tanto, e tão pacificadoramente, como na simplicidade quase mesquinha daquele largo agora, uma consciência de que o passado pode ser, sem história e sem memória, sem azedume ou saudade, sem culpa ou inquietação, um espaço em que se pára, menos para regressar a ele, que para estar nele sem regresso algum.