O grande drama da literatura portuguesa foi sempre um grande afastamento da realidade concreta
Eu diria o seguinte: primeiro que tudo, eu creio que, salvo em raros momentos excepcionais, o grande drama da literatura portuguesa - e é, até certo ponto, a teoria que eu tenho dela - o grande drama da literatura portuguesa foi sempre um grande afastamento da realidade concreta, e que resulta das próprias estruturas sociais do nosso país.
Acontece, e isso vê-se até mesmo nos escritores que pretendem ser mais populistas, que, de um modo geral, as pessoas, quando se tornam escritores, imediatamente, ou automaticamente, do ponto de vista social, deixam de ser povo. E quando deixam de ser povo, automaticamente deixam de saber como é que o povo fala e vive. Daí resulta grande parte do artificialismo que mesmo o maior realismo português usualmente tem. Vem de as pessoas realmente terem perdido contacto com a realidade social imediata, para passarem a vê-la sob o prisma dos níveis oligárquicos de que passaram a fazer parte.
E isto aplica-se a toda a gente, de todas as cores e feitios, que todos sofrem ou têm sofrido da mesma doença. Só os grandes, realmente, os muito grandes, são os que conseguiram ultrapassar esse drama.
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço