É por isso que, sendo o máximo [dotado] de unidade infinita, então todas as coisas que lhe convêm são o próprio máximo sem diversidade e alteridade, de modo que a sua bondade não seja uma coisa e a sua sabedoria outra, mas sim a mesma coisa.
Assim, toda a diversidade é, nele, identidade. Por isso, a sua potência, sendo sumamente una, é sumamente forte e infinita. E a sua duração sumamente una é tão grande que, nela, o passado não é diferente do futuro e o futuro não é diferente do presente, mas são urna duração sumamente una ou uma eternidade sem princípio nem fim. Com efeito, o princípio é nele tão grande que o fim é também nele princípio.
Aponto, por exemplo, o seguinte: um dos dramas maiores que vejo agora no romance português, que reflecte exactamente o mesmo fenómeno, é o esforço desesperado da maior parte dos escritores para se aproximarem de uma realidade social concreta, de que, no fundo, eles se sentem cortados.
É uma das coisas mais aflitivas, ao ler mesmo alguns dos melhores romances que se têm publicado neste país - e se alguma coisa eles representam sociologicamente do momento actual é, na verdade, esse drama do intelectual que sente que ignora a realidade popular e vive separado dela, visto que a educação ou a cultura ou a conquista de um lugar de intelectual em Portugal têm correspondido automaticamente a uma separação em relação ao povo em geral.
É o caso de um homem que pode chegar da província, deixou de ter contacto com a cultura popular, e veio integrar-se na cultura de Lisboa. Isso acontece frequentemente com escritores e não é um mal em si, mas é um mal em si quando as pessoas se integram numa cultura feita de literatura e não numa cultura feita de realidades.
Excerto da entrevista Vida Mundial, Lisboa, 25 de Agosto de 1972 por João Carreira Bom
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço