Somos uma sociedade de tradição senhorial e aristocrática, onde, realmente, o trabalho nunca foi considerado uma dignidade.
Como se dizia antes, o trabalho é para o preto... Os outros são quem manda: por definição, não trabalham! Porque mandar não corresponde a trabalhar. O trabalho é outra coisa. O trabalho é para os que obedecem. Os que mandam são os que não trabalham.
Ora, esta mentalidade senhorial, que tem os seus aspectos paternalistas e de aproximação humana muito curiosos, tem também, e sobretudo, altos inconvenientes, visto que contribui para essa separação que automaticamente se dá entre as camadas que se julgam superiores e as outras, que aquelas, é evidente, julgam inferiores.
E isso é um vício trágico no mundo actual, é um vício que se torna extremamente agudo e é o que nós podemos dizer um vício extremamente caro!
Excerto da entrevista Vida Mundial, Lisboa, 25 de Agosto de 1972 por João Carreira Bom
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
Também na música, por essa regra, não há precisão.
Pois nenhuma coisa concorda com outra nem em peso, nem em comprimento, nem em espessura.
E não é possível encontrar proporções harmónicas com tal precisão entre os diversos sons das flautas, dos sinos, dos homens e dos restantes instrumentos que não seja possível dar uma proporção mais precisa.
Também nos diversos instrumentos não há o mesmo grau de proporção da verdade tal como acontece nos diferentes homens, mas em rodos é necessária a diversidade de acordo com o lugar, o tempo, a complexão e outras coisas.
Assim, a proporção precisa vê-se apenas na sua razão e não podemos experimentar sem defeito a dulcíssima harmonia nas coisas sensíveis, porque ela não reside aí.
Ascende por aqui ao conhecimento de como a harmonia máxima e com a maior precisão é a proporção na igualdade, que o homem vivo não pode ouvir na carne porque atrairia a si a razão da nossa alma, já que ela é toda a razão, tal como a luz infinita atrai roda a luz, e de um modo tal que a alma, desligada das coisas sensíveis, não ouviria com o ouvido do intelecto a própria harmonia sumamente concordante sem um arrebatamento.