Do mesmo modo, o agora ou o presente complica o tempo. O pretérito foi presente, o futuro será presente.
Nada se encontra no tempo senão o presente ordenado. O pretérito e o futuro são, por isso, a explicação do presente.
O presente é a complicação de todos os tempos presentes e os tempos presentes são a sua explicação seriada e neles não se encontra senão o presente. Um só presente é, pois, a complicação de todos os tempos. E esse presente é a própria unidade.
É que não nos devemos esquecer de que nenhuma transformação efectiva se realiza apenas de cima para baixo.
As transformações só se realizam com toda uma participação das diversas camadas sociais representadas como tal, com a possibilidade de terem a voz dos seus interesses, a voz dos seus direitos. Sem isso, nenhuma transformação se faz efectivamente.
É por isso que nós em Portugal temos a velha tradição de fazer as leis e de logo as pessoas inventarem uma maneira de lhes escapar.
Precisamente porque não consideram que a lei seja uma coisa que nos diga respeito; consideram que a lei é uma coisa imposta de cima para baixo, à qual é dever esgueirarem-se de qualquer maneira. Ora, o que acontece é que é necessário criar um tipo de educação, um tipo de consciencialização que, tanto de cima como de baixo, faça reconhecer isto, que é fundamental: em política e em consciência dos próprios interesses e dos próprios direitos, o cidadão comum analfabeto não é mais incompetente que qualquer tecnocrata, porque a política é uma questão que interessa a todos e qualquer analfabeto tem nisso o mesmo direito de opinião que tem o sujeito altamente sofisticado.
E, em certos aspectos, pode ainda ser mais competente: porque ele sabe quais os seus problemas, enquanto o tecnocrata não sabe.
Excerto da entrevista Vida Mundial, Lisboa, 25 de Agosto de 1972 por João Carreira Bom
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço