Grande parte dos escritores não escreve para ficar com os originais na gaveta
Outro ponto que queria acentuar: um dos malefícios de tantos anos de compressão e censura não é tanto que muitas coisas não tenham podido ser ditas e escritas, mas o facto de muitas outras não terem chegado a ser escritas.
Quer dizer, não é tanto quanto foi prejudicado aquilo que se fez, como o que se perdeu, por as pessoas terem deixado de o fazer, conscientes de que não valia a pena.
Grande parte dos escritores não escreve para ficar com os originais na gaveta. Escreve-se com a ideia de publicação e se se trata de elementos que podem ser publicados dentro de um regime de compressão, tudo isso é escrito e sai. As coisas que as pessoas pensam que não será possível comunicar, essas não chegam a ser escritas e perdem-se. É um mal irremediável aquilo que se perdeu como crítica da sociedade portuguesa das décadas passadas.
Excerto da entrevista Diário Popular, Lisboa, 6 e 7 de Agosto de 1974 por João Alves da Costa
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço