O fim da mulher era casar e, para o fazer, tinha de ser virgem
[O conceito de virgindade] Era um conceito social tanto como moral. Não o respeitar representava, além de uma transgressão social violenta, um pecado. O fim da mulher era casar e, para o fazer, tinha de ser virgem. Nos anos 50 (eu vivia na altura em Coimbra, com o meu marido), a costureira que ia trabalhar lá a casa contou-me, com um certo tom de escândalo, que uma estudante tinha sido apanhada a dar um beijo ao namorado: «Aquela já está queimada!», comentava, «já está queimada!».
Casei-me em 1945 e, para marcar bem a minha posição contra os convencionalismos, levei um vestido curto, verde-claro. Os sapatos, chapéu e flores, é que eram brancos.
Recordo [que para designar uma rapariga que tivesse perdido a virgindade, havia expressões como: «enganada», «desflorada», «dar uma cabeçada»], mas o termo «dar uma cabeçada» era mais aplicado às mulheres casadas que prevaricavam. A expressão «enganada» era mais usada nos meios rurais, nas aldeias. O que tinha um certo fundo de verdade. Dentro da mesma moral social e religiosa, o próprio rapaz, para seduzir a rapariga, prometia-lhe casamento. Se ela cedia, corria sérios riscos de ser abandonada pelo sedutor, que entendia a entrega como uma prova de leviandade. Não resistira à tentação; não era séria. Não servia para esposa.
Natália Nunes in Entrevista Expresso