A "douta ignorância" sem significar relativismo ou cepticismo, é o outro nome da tolerância e do respeito
Não é, no entanto, apenas este jogo entre a negatividade e a positividade que marca a originalidade com que o Cusano se apropria do motivo da "douta ignorância" que, para além da dimemão gnosiológica referida, ela comporta igualmente uma dimemão ôntica, ontológica e ainda antropológica, na medida em que define o ser do homem, na sua incompletude, como ser de desejo intelectual como caminho e tarefa, como abertura ao dom que nele se perfaz.
A estas dimemões outras poderão e deverão ser acrescentadas, cuja actualidade é inquestionável: é que as implicações da "douta ignorância" reflectem-se igualmente no plano ético, no plano estético e no plano pedagógico. No plano ético, a "douta ignorância" pelas suas fontes e nas suas múltiplas consequências implica um alcance profundamente terapêutico, pressupondo a função "purgativa" que corresponde ao momento da catharsis da ascensão dionisiana. Mas, ao mesmo tempo que purifica o espírito de preconceitos e presunções, a "douta ignorância" sem significar relativismo ou cepticismo, é o outro nome da tolerância e do respeito pela liberdade de religião e pela diferença das culturas.
Excerto de Introdução de João Maria André
in A Douta Ignorância de Nicolau de Cusa