A fineza do sarcasmo desta farsa burlesca é tão deliciosa, cheia de laivos kafkanianos sobre a burocracia dos estados totalitários.
As situações são tão surreais que nós como leitores passamos as páginas a dar gargalhadas de espanto incrédulo, especialmente com o vernáculo e os comentários das personagens.
Uma boa e agradável surpresa que não esperava ler neste ciclo de leitura de Natália Nunes.
Fazer versos às borboletas (gesto dirigido para o fundo do palco) que esvoaçam meteu na cabeça esta ideia de ser poeta. O Dr. Serupico diz-me que eu, se tivesse sido guiado, ajudado, se tivesse meios para me cultivar, talvez pudesse vir a ser um grande poeta...
Sim, eu próprio sinto que poderia, se não me faltasse qualquer coisa. Que eu não sei se este não poder vem de mim só, se de fora de mim também. O meu sentir, o meu sonhar é ardente, em fúria às vezes. Mas é um querer levantar voo de ave que não tem asas ou não vê um céu bastante amplo para voar. Precisava de mais agitação fora de mim, de mais ansiedade, mais movimento e expansão e arrojo em tudo e em todos à minha volta. Este sossego, este marasmo...
Sou como seta de papel, brinquedo de menino jogado ao ar com ímpeto, que sobe alto mas depois tomba de repente, a pique, coisa sem mais alma... Os castros e os castelos também caíram, o tempo passou, o tempo passa, os ímpetos morrem dentro de nós e fica só esta nostalgia de uma vida consumida como o lume brando de um borralho...