Com cenário de mar, por entre sestas e mergulhos frescos

Escrever ou ler o que quer que seja nestes dias de férias à beira-mar tem sido de uma preguiça desavergonhada, ainda assim persisto para recuperar as leituras perdidas no ziguezaguear da rotina. E muitas delas andaram de tal modo à deriva que temi perdê-las para todo o sempre.

Não gosto de desistir dos livros que estou a ler e com cenário de mar, por entre sestas e mergulhos frescos, tenho conseguido planear as minhas leituras, focando-me nos livros eternamente adiados há demasiado tempo, especialmente aqueles que fazem parte dos meus ciclos de leitura de autores portugueses:

De Nicolau de Cusa: 

• já acabei de ler A Douta Ignorância 

De Jorge de Sena:

• já acabei de ler Correspondência - Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena.

De Natália Nunes:

• já acabei de ler Memórias da Escola Antiga
• já acabei de ler Cabeça de Abóbora
• comecei a ler Autobiografia de uma Mulher Romântica

Quando chove assim, quase sentimos vontade de rir

A chuva miudinha foi engrossando e como a outra, a daquela noite, também se transformou em aguaceiro a perfurar a rijeza do solo no pequeno largo, também foi da que parece abrir com estalidos agudos e vibrantes as pedras das calçadas e derramar sobre o chão o borbulhar tumultuoso dum líquido fervente, da que nos faz pensar quando impotentes estacamos à porta da rua ou hipnotizados colamos a fronte aos vidros da janela, que a gigantesca catadupa que tomba dos céus é manifestação de algum deus primordial a querer mostrar à viva força seu capricho indómito.

Quando chove assim, quase sentimos vontade de rir e de troçar de alguém ou de alguma coisa! Pasma-nos o ímpeto desabrido, a veemência frenética da descarga, e adivinhamos o que quer que seja de primitivo, de irracional, de extravagante e de grotesco no desabar do aguaceiro.

in Autobiografia de uma Mulher Romântica (1955) de Natália Nunes