Julgo que ter escolhido casar com um homem mais velho tenha a ver com a imagem que eu retive do meu pai...
A parentela do meu pai ia dos mais ricos aos muito pobres. As «senhoras», como se dizia das mulheres das famílias mais ricas e conceituadas, tinham lugar cativo na igreja. Naquela época a Igreja estava dividida em escalões sociais.(...)
[As «senhoras» da família] Não aceitavam isso [que a mulher do parente não fosse à missa], como também não lhe perdoavam ela sair em cabelo. No final dos anos 20, as senhoras não andavam sem chapéu. E as nossas parentes abastadas jamais saíam de casa de cabeça descoberta. Ora, a minha mãe entendia que numa pequena vila de província era pelo menos pretensioso usar chapéu em deslocações que não ultrapassavam os 20 metros. (...)
Não tinha consciência destas coisas, nem sequer do perigo de ficar órfã de pai. Eu vivia num círculo muito interessante. A casa da família ficava dentro do adro da igreja e fora construída no antigo passal (terreno anexo à residência paroquial). Tínhamos assim a casa, a igreja e a escola. Estávamos no centro de tudo... E, depois, o convívio com o meu pai. Ele explicava-nos tudo: os nomes das plantas, das árvores, dos pássaros. Quando melhorou e começou a ir à caça, eu ia com ele. A relação com o meu pai foi tão importante que criou em mim o desejo de ter sempre um pai. Julgo que ter escolhido casar com um homem mais velho tenha a ver com a imagem que eu retive do meu pai...
Natália Nunes in Entrevista Expresso