Tive um namorado com o qual me aproximei do mito do amor. Ele era muito moreno, fascinou-me. Inventei o amor. É claro que o amor existe mas, para mim, não tem propriamente a ver com os sentidos. O amor é antes um estado de graça. (...)
[Namorava] À janela, do segundo andar para a rua, e por carta. Por vezes ele ia-me buscar ao liceu. (...)
[O pretendente podia entrar em casa da pretendida] Só depois do «pedido». (...)
[Os «atrevimentos» iam até] Aos beijos. (...)
[Falar de sexo era tabu em casa] Não só na minha - em todas as famílias o assunto sexo era inabordável. (...)
Aqui está o que distingue o animal do vegetal. Olha-se a humildade da erva, a elegância das plantas, a espiritualidade das árvores, a majestade das florestas, mas tem-se sempre, do mundo vegetal, a mesma impressão de serenidade, de confiança, de um mundo puro e tranquilo cuja existência encontra em si mesma a plenitude de realização.
No mundo animal há uma inquietação perene, uma actividade ansiosa e febril, uma atitude de desconfiança, de curiosidade receosa que conduz a uma atenção contínua, espectante e maliciosa, a um afinamento de todos os recursos de que o animal dispõe para a defesa e para o ataque.
O vegetal é inocente, e é isto que no fundo o distingue do animal. A urtiga, a roseira, podem picar-nos, mas fazem-no inocentemente. Não há fúria nem acinte nem manha no mal que nos causam. Olhamos a roseira que nos picou: lá está, com os delgados troncos eriçados de espinhos, bem à vista, serenamente não sabem o que fazem, as plantas. Mas os bichos, até os mais pequenos, até os menos complicados na escala zoológica...
in Autobiografia de uma Mulher Romântica (1955) de Natália Nunes