António Gedeão falava mais com os olhos que com as palavras
Chamava-se Rómulo como o mítico fundador de Roma, foi um homem do Renascimento mas viveu no século XX. Cientista, professor, poeta, homem livre nas margens da ditadura e da revolução morreu há 20 anos.
Dizia que tinha vindo de uma terra assombrada, que não acreditava na bondade humana, nem no mistério da poesia, escrevia sempre de pé, bebia as manhãs a café com leite sempre na mesma caneca, percorreu anos e anos as mesmas ruas, meteu a chave na fechadura de casa à hora em que o esperavam, não usava gravata, não se sentava à mesa do poder nem do povo, não pertenceu à ditadura nem à revolução, não foi em grupos, não teve amigos, não meteu cunhas, não foi boémio, alcoólico, fanfarrão.
Falava mais com os olhos que com as palavras, tinha muitos admiradores, não tinha intimidades. Respirava melhor o amplexo do mundo fechado num laboratório do que na orla do grande mar.
in Observador