António Gedeão tinha «um coração de velho»
Como ele próprio há-de declarar, com o seu habitual desassombro, no documentário de Diana Andringa, “não tinha mais nada a dizer como poeta”.
E se é verdade que a sua poesia pôde, através dos cantautores, chegar a um público mais vasto que a elite que habitualmente lê poesia, “o que muito lhe agradou”, também é verdade que Gedeão acabou por ficar acantonado no tempo da revolução “o que tem prejudicado a sua leitura e descoberta pelas novas gerações”, admite Cristina Carvalho. (...)
Enquanto foi cientista, escritor, poeta, professor Rómulo de Carvalho também teve dois casamentos, dois filhos (Frederico Carvalho, físico-nuclear, e Cristina Carvalho, escritora), cosia os seus próprios botões, criou sozinho uma filha bebé quando a mulher, a escritora Natália Nunes, passou mais de um ano em Paris a estudar, ia religiosamente ao cinema todos os sábados à noite.
Aos 25 anos foi dado como inapto para o serviço militar por ter, nas palavras do médico, “um coração de velho”. Talvez este médico tenha percebido que o coração de Rómulo vinha de longe, “do fundo do tempo”, assombrado.
A verdade é que só aos 90 anos o coração lhe falharia em consequência de uma isquémia cardíaca. Morreu uma semana depois de ser operado. Era o dia 19 de fevereiro de 1996.
in Observador