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Livrologia

Livrologia

20
Out23

Era um e era o outro, indissociáveis, unos

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Era uma vez um menino

que não era nada feio.

O que tinha de extraordinário

era um feitiço no meio.

 

Foram estes os primeiros versos que se conhecem do menino Rómulo Vasco da Gama Carvalho. Tinha cinco anos quando os escreveu. Nessa altura ainda estava longe, muito longe, o nascimento do seu amigo António Gedeão. Desse ser imaginado, amigo tão verdadeiro que um dia nasceu e um dia, ainda novo, morreu.

Rómulo deu-lhe a vida suficiente, amou-o, fê-lo crescer. E ele cresceu e rondou-lhe os passos mais secretos, a sua vida mais íntima; a seu lado conheceu o dia e conheceu a noite, sussurrou-lhe as mais belas palavras, invadiu-lhe o pensamento a ponto de fazer com que algo mais que letras e palavras o acompanhassem de perto.

Vigiou-o. Lembrou-lhe o que devia fazer e fez com que ele, Rómulo, se deixasse envolver por ele, António, a ponto de, nesses momentos, se esquecer de si. Mas, realmente, não era fácil esse esquecimento. Era um e era o outro, indissociáveis, unos. Até um dia. Até um certo dia em que um, o primeiro, declarou a morte do outro, do segundo.

in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito de Cristina Carvalho

20
Out23

Aurora Boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham oblíquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

Poema Aurora Boreal 

 in Teatro do Mundo 1958

in Obra Completa de António Gedeão

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