Foram estes os primeiros versos que se conhecem do menino Rómulo Vasco da Gama Carvalho. Tinha cinco anos quando os escreveu. Nessa altura ainda estava longe, muito longe, o nascimento do seu amigo António Gedeão. Desse ser imaginado, amigo tão verdadeiro que um dia nasceu e um dia, ainda novo, morreu.
Rómulo deu-lhe a vida suficiente, amou-o, fê-lo crescer. E ele cresceu e rondou-lhe os passos mais secretos, a sua vida mais íntima; a seu lado conheceu o dia e conheceu a noite, sussurrou-lhe as mais belas palavras, invadiu-lhe o pensamento a ponto de fazer com que algo mais que letras e palavras o acompanhassem de perto.
Vigiou-o. Lembrou-lhe o que devia fazer e fez com que ele, Rómulo, se deixasse envolver por ele, António, a ponto de, nesses momentos, se esquecer de si. Mas, realmente, não era fácil esse esquecimento. Era um e era o outro, indissociáveis, unos. Até um dia. Até um certo dia em que um, o primeiro, declarou a morte do outro, do segundo.
in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito deCristina Carvalho
Tenho quarenta janelas nas paredes do meu quarto. Sem vidros nem bambinelas posso ver através delas o mundo em que me reparto. Por uma entra a luz do Sol, por outra a luz do luar, por outra a luz das estrelas que andam no céu a rolar. Por esta entra a Via Láctea como um vapor de algodão, por aquela a luz dos homens, pela outra a escuridão. Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza, pela da frente a beleza que inunda de canto a canto. Pela quadrada entra a esperança de quatro lados iguais, quatro arestas, quatro vértices, quatro pontos cardeais. Pela redonda entra o sonho, que as vigias são redondas, e o sonho afaga e embala à semelhança das ondas. Por além entra a tristeza, por aquela entra a saudade, e o desejo, e a humildade, e o silêncio, e a surpresa, e o amor dos homens, e o tédio, e o medo, e a melancolia, e essa fome sem remédio a que se chama poesia, e a inocência, e a bondade, e a dor própria, e a dor alheia, e a paixão que se incendeia, e a viuvez, e a piedade, e o grande pássaro branco, e o grande pássaro negro que se olham oblíquamente, arrepiados de medo, todos os risos e choros, todas as fomes e sedes, tudo alonga a sua sombra nas minhas quatro paredes. Oh janelas do meu quarto, quem vos pudesse rasgar! Com tanta janela aberta falta-me a luz e o ar.